segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

ALÉM DO NADA

Volto, de novo, sem nada de novo pra dizer.
Venho desprendido, solto, envolto
De náusea e agonia. Continuo devoto
De quem? Alguém? Ninguém.

Estou ficando sem palavras,
Sem o que dizer, sem o que escrever.
Estou ficando sem saber o que fazer
E sendo um ser desconexo ao ser.
Não sei mais o que me pode aparecer
Ou que verso meu pode esclarecer
De uma vez o inexplicável.

Eu... Quem sou eu e como sou?
“Será que vive, sonha ou amou?”.
Quem sou eu e como sou?

Eu devo ser um pouco de cada,
Talvez muito de ninguém.
Talvez alguém que além de além
Saiba que a vida em si é nada.
Alguém que nesse conceito insiste,
Mas também sabe que além desse nada,
Nada mais existe.

Danilo del Monte

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

COMO LUZ E SOMBRA


Feito estalar de dedos,
Perturbou, mas passou,
E me restou a calma.

Um simples devaneio
Resplandece e seduz,
Tal qual induz ao erro.

Surgiu como uma luz.

Passou feito uma sombra.

Danilo del Monte

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

COMO UM SONETO

É como um soneto que não sai.
É como se não brotasse a semente.
É como se houvesse em minha mente
Um verso pendurado que não cai.

Triste, penso em tudo que me sai
Antes mesmo de me ser equivalente.
É feito uma alegria de aguardente
Que vem rápido e rápido se vai.

Tudo que busquei com tanta ansiedade
Se partiu, me abandonou sem piedade
E a vida hoje me trata com desdém.

Aprendi contrariando a verdade
E hoje sei que essa tal felicidade
É com um soneto que não vem.

Danilo del Monte

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

ONDE ESTÃO AS IDEIAS?

A mente ameaça entrar em ócio.
O uísque ameaça acabar.
O sono ameaça chegar
E as ideias não vêm.

Esse negócio,
Esse idéia fixa de criar sem idéia,
Esse mar de poesia atéia
A que me dedico, a que me atrevo,
Não é senão a idéia
Registrando a não conformidade da idéia,
E por não conformidade, escrevo.

Vigésimo primeiro após o marco,
E onde estão as ideias?

Danilo del Monte


** imagem: O Princípio do Prazer, de RENE MAGRITTE.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

LIVROS QUE ABRI

O livro passou em minha frente
E eu, infelizmente, o abri.
Se ofereceu a mim como quem ri
Da maçã na boca da serpente.
Todo o meu riso inocente
Se chocou contra a cancela,
E hoje, quem diz que a vida bela,
Nunca abriu os livros que eu li.

Talvez não os livros,
Mas o saber profundo
E profundamente amargurado,
Me pegou de assalto,
Me pegou de assombro.
Me agarrou no ombro,
Me derrubou do salto.
Me jogou pro alto,
No meio dos escombros
De felicidade que anseio.

Ah... livros que leio
E idéias que semeio
Andam de mãos dadas.
Anda de mão atadas
A alegria que não creio,
E que nasce por sorteio
Em quem sabe sorrir.

E, por regra, quem sorri,
Ainda que com receio,
Jamais abriu os livros que eu li.

Danilo del Monte

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

INCONTESTE

“... que o tempo passado era mentira, que a memória não tinha caminhos de regresso, que toda primavera antiga era irrecuperável e que o amor mais desatinado e tenaz não passava de uma verdade efêmera.”
                                                     Gabriel García Márquez  - Cem Anos de Solidão


Lembranças, na cabeça ou no papel,
Me mentem o tempo que não cai.
Busco no fundo do relógio derretido
Que é enganado pelas fotografias,
Qualquer coisa antiga que seja sólida,
Mas até a palavra me soa como falsa.

Os sonhos, que não devem às lembranças,
Martelam minha cabeça e se fundem
E se enganam com tanta coisa,
Que fica complicado separar o que é
Ouro puro, do que apenas é banhado.
Então o tempo me acorda sussurrando ao pé do ouvido.

Não volta nunca mais.
Para tudo o que é inalcançável,
Qualquer rua, avenida ou estrada serve,
Porque qualquer caminho frustrará.
A flor murcha ou assassinada
Não é a mesma que cresce agora
E jamais voltará a perfumar,
Por mais bela e cheirosa que tenha sido.
Continua a roda insensível a girar e girar.

Alegria de ébrio. Inocência da infância.
Desejos reprimidos. Fé na humanidade.
O sentimento errante tenta se firmar,
Mas tropeça, cai, e muitas vezes, morre.
A roda leva tudo o que tenta brilhar
E fala mais alto a lei da gravidade,
Porque mesmo o mais alto dos balões no céu,
Assim como os sonhos, na cabeça ou no papel,
Uma hora morre agonizando ao chão.

Só o tempo não tropeça em seus caminhos.

Danilo del Monte


* também publicado em http://recantodasletras.uol.com.br/poesias/2608007

sábado, 8 de janeiro de 2011

A MESA


Caminho por dentro de mim, procuro por algo diferente, algo que se perdeu por dentro dos meus cômodos, ou algo que se quebrou e está em cacos. Procuro por entre os corredores, pelos cantos, dentro dos móveis e não encontro nada. Tudo parece exatamente igual. A casa que é minha alma mantém os quartos a meia luz, os móveis a meia altura e as janelas semi abertas. Tudo permanece como estava.

          Minha face no espelho, vista de dentro de mim, é como era desde o dia da minha criação, um pouco mais velha, óbvio, mas a mesma essência, mesma expressão e mesma fisionomia. Os ânimos mudaram, é verdade, mas a causa primária permanece oculta, debaixo dos tapetes ou das camas, atrás das cortinas, dentro das gavetas empoeiradas e vazias... Não encontro.

        Pouco me sinto, mas também pouco me sentia no passado. Os livros sobre a cabeceira são os mesmos, assim como também são as mesmas as frases que caminham pela casa, velhas conhecidas minhas, passam e dizem “oi”. Tudo igual, desesperadamente igual, até mesmo o que sujei permanece sem limpar, e não encontro a razão de ser da minha desesperança.

      Continuo a andar, e, um pouco mais adiante, numa suave curva por dentro de uma das minhas salas, sob uma luz um pouco mais forte, julgo descobrir o que se perdeu dentro de mim. Vejo uma mesa branca e duas cadeiras vazias, era nessa mesma mesa que os meus sonhos e a realidade costumavam sentar para negociar. Era nessa mesa, agora vazia, que se travavam os diálogos que ditariam meu caminho e que me davam uma ponta de felicidade, e eis que agora está vazia, exceto por algumas migalhas de pão e uma garrafa pela metade não sei de quê. Não vejo os sonhos, assim como também não sei o que se deu com a realidade. Não fosse pelas frases a circular os corredores a casa estaria vazia, como uma mansão mal assombrada.

        Após a constatação, viro as costas e saio, não tenho mais ânimo de procurar nada, mas antes eu tranco definitivamente as portas e as janelas e apago as luzes de casa. Perante uma última passagem pelo espelho, noto que o rosto já não é mais igual.

Danilo del Monte



terça-feira, 4 de janeiro de 2011

CEM ANOS DE SOLIDÃO POR CARYBÉ


Brincando de imitar o tom fantástico com que sua avó contava histórias de além-túmulo sem sequer alterar as feições do rosto, Gabriel García Márquez escreveu em 1967 a obra prima da América Latina, o que lhe rendeu, em 1982, o prêmio Nobel de literatura. Cem Anos de Solidão, afirmo com certo tom de segurança, é livro de cabeceira de todos que já o leram, e que dificilmente leram uma vez só, porque os intrincados galhos da árvore genealógica da família Buendía (todos com aquele ar de solidão), e os acontecimentos inexplicáveis de Macondo despertam no leitor um misto de sentimentos que vai do encanto à perplexidade, da alegria ao desespero, e faz o leitor, antes do último parágrafo, padecer da nostalgia de findar o livro.

Como para ajudar a imaginação, o artista argentino Carybé ilustrou o livro com desenhos que antecedem cada capítulo, traçados com o mesmo realismo fantástico contido na narrativa de Gabriel García Márquez. Tão perfeitamente combinam com a obra que é possível ir a Macondo e voltar apenas pelas ilustrações, embora elas só nos permita andar pela periferia do povoado; para adentrar no coração da cidade dos espelhos (ou das miragens) só mesmo lendo e relendo e mergulhando nesses cem anos.


01 - Melquíades, o cigano

"Um cigano corpulento, de barba rude e mãos de pardal, que se apresentou com o nome de Melquíades, fez uma truculenta demonstração pública daquilo que ele mesmo chamava de a oitava maravilha dos
sábios alquimistas da Macedônia. "






02 - José Arcadio Buendía, Úrsula e Prudêncio Aguilar morto.

   "[Tire isso] —  Se você tiver que parir iguanas, criaremos iguanas — disse — Mas não haverá mais mortos neste povoado por culpa sua."  



03 - Rebeca, a Buendía adotiva e o saco de ossos dos pais.

"No domingo, com efeito, chegou Rebeca. Não tinha mais de onze anos. [...]  Toda a sua bagagem era composta de um bauzinho de roupa, uma pequena cadeira de balanço de madeira com florezinhas coloridas pintadas a mão e um saco de lona que fazia um eterno ruído de cloc cloc cloc, onde trazia os ossos de seus pais."

04 - Cel Aureliano Buendía e Remédios, a jovem esposa

"A imagem de Remedios, a filha mais nova do delegado, que pela idade poderia ser sua filha, ficou doendo em alguma parte de seu corpo. Era uma sensação física que quase o incomodava para andar, como uma pedrinha no sapato."

05 - José Arcadio, o filho desertor

"Era José Arcadio. Voltava tão pobre como tinha ido, a ponto de Úrsula ter de lhe dar dois pesos para pagar o aluguel  do cavalo. Falava o espanhol com gíria de marinheiros. Perguntaram-lhe onde tinha estado, e respondeu: '“Por aí.”'

06 - Arcadio, o ditador de Macondo, e Úrsula

"Para que ninguém pusesse em dúvida a severidade dos seus propósitos, mandou que um pelotão de fuzilamento treinasse em praça pública atirando contra um espantalho. No começo, ninguém o levou a sério. [...] Mas certa noite, ao entrar na taberna, o trompetista da banda saudou Arcadio com um toque de fanfarra que provocou o riso da clientela, e Arcadio o mandou fuzilar por falta de respeito à autoridade."

07 - José Arcadio Buendía "louco" sob o castanheiro.

"Certa ocasião em que o Padre Nicanor levou ao castanheiro um tabuleiro e uma caixa de pedras para convidá-lo a jogar damas, José Arcadio Buendía não aceitou, segundo disse, porque nunca pôde entender o sentido de uma contenda entre dois adversários que estavam de acordo nos princípios. O Padre Nicanor, que nunca tinha encarado desse modo o jogo de damas, não pôde voltar a jogar. Cada vez mais assombrado com a lucidez de José Arcadio Buendía, perguntou-lhe como era possível que o mantivessem amarrado numa árvore.
— Hoc est simplicissimum: — respondeu ele — porque estou louco."

08 - Amaranta e Aureliano José

"Certa madrugada, na época em que ela recusou o Coronel Gerineldo Márquez, Aureliano José acordou com a sensação de falta de ar. Sentiu os dedos de Amaranta como uns vermezinhos quentes e ansiosos que procuravam o seu ventre. Fingindo dormir mudou de posição para eliminar toda e qualquer dificuldade, e então sentiu a mão sem a atadura negra mergulhando como um molusco cego entre as algas da sua ansiedade. Embora aparentassem ignorar o que ambos sabiam, e o que cada um sabia que o outro sabia, a partir daquela noite, ficaram mancomunados por uma cumplicidade inviolável."

09 - Assinatura do tratado de Neerlândia que põe fim à guerra civil

"O ato durou apenas o tempo indispensável para que se pusessem as assinaturas. Ao redor da rústica mesa colocada no centro de uma remendada barraca de circo onde sentaram os delegados, estavam os últimos oficiais que permaneceram fiéis ao Coronel Aureliano Buendía. Antes de recolher as assinaturas, o delegado pessoal do Presidente da República tentou ler em voz alta a ata da rendição, mas o Coronel Aureliano Buendía se opôs. “Não vamos perder tempo com formalidades”"

10 - Aureliano Segundo, criador dos animais que pariam desenfreadamente


Ao amanhecer, Aureliano Segundo abriu a porta e viu o quintal entupido de coelhos, azuis no resplendor da  alvorada. Petra Cotes, morta de rir, não resistiu à tentação de fazer uma brincadeira. 
— Esses são os que nasceram esta noite — disse. 
— Que horror! — disse ele. — Por que é que você não experimenta com as vacas?

11 - Fernanda del Carpio,  puritana, e sua camisola nupcial


Fernanda pusera uma camisola branca, comprida até os tornozelos e com mangas até os punhos, e com um buraco grande e redondo primorosamente caseado na altura do ventre. Aureliano Segundo não pôde reprimir um ataque de riso. 
— Isto é a coisa mais obscena que eu já vi na minha vida — gritou, com uma gargalhada que ressoou pela casa inteira. — Casei-me com uma irmãzinha de caridade.


12 - Remédios, a bela, subindo ao céu de corpo e alma

"Remedios, a bela, que lhe dizia adeus com a mão, entre o deslumbrante bater de asas dos lençóis que subiam com ela, que abandonavam com ela o ar dos escaravelhos e das dálias e passavam com ela através do ar onde as quatro da tarde terminavam, e se perderam com ela para sempre nos altos ares onde nem os mais altos pássaros da memória a  podiam alcançar."


13 - Cel Aureliano Buendía morre sob o castanheiro

" Então foi para o castanheiro [...]e ficou imóvel com a testa apoiada no tronco do castanheiro. A família não soube de nada até o dia seguinte, às onze da manhã, quando Santa Sofia de la Piedad foi jogar o lixo no quintal e lhe chamou a atenção o fato de estarem baixando os urubus."








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14 - Meme e Maurício Babilônia entre escorpiões e borboletas amarelas

Um projétil incrustado na coluna vertebral reduziu-o à cama pelo resto de sua vida. Morreu de velho na solidão, sem uma quixa, sem um protesto, sem uma só tentativa de deslealdade, atormentado pelas lembranças e pelas borboletas amarelas que não lhe concederam um instante de paz e publicamente repudiado como ladrão de galinhas.

























15 "Eram mais de três mil mortos. Todos os que estavam na estação"

"O menino descreveu com detalhes precisos e convincentes como o exército metralhara mais de três mil trabalhadores encurralados na estação e como carregara os cadáveres num trem de duzentos vagões e os atirara ao mar.




16 - Quase cinco anos de chuva em Macondo

Choveu durante quatro anos, onze meses e dois dias. Houve épocas de chuvisco em que todo mundo pôs a sua roupa de domingo e compôs uma cara de convalescente para festejar a estiagem, mas logo se acostumaram a interpretar as pausas como anúncios de recrudescimento.





17 - Úrsula, já bem mais que centenária, e Aureliano nu

Em casa, simplesmente acreditavam que tresvariava, sobretudo desde que dera para andar com o braço direito levantado, como o Arcanjo Gabriel.



18 - José Arcadio, o vaidoso, e os garotos.
"Em várias ocasiões, meteram-se na caixa-d'água, para ensaboá-lo dos pés à cabeça, enquanto ele boiava de barriga para cima pensando em Amaranta. Em seguida o secavam, botavam-lhe talco no corpo e o vestiam. Um dos meninos, que tinha o ca-belo louro e crespo e os olhos de contas rosadas como os coe-lhos, costumava dormir na casa. Eram tão firmes os vínculos que o uniam a José Arcadio que o acompanhava nas suas in-sônias de asmático, sem falar, perambulando com ele pela casa "
19 - Aureliano Buendía Babilônia e Nigromanta

"Nigromanta levou-o para o seu quarto iluminado com lamparinas de mentira, para a sua cama de armar com a lona manchada pelos maus amores e para o seu corpo de cachorra brava, insensível, desalmada, que se preparou para  espachá-lo como se fosse um menino assustado e se encontrou de repente com um homem cujo poder tremendo  exigiu das suas entranhas um movimento de reacomodação sísmica. Fizeram-se amantes."



20 - O Buendía com rabo de porco que põe fim à estirpe

Através das lágrimas, Amaranta Úrsula viu que era um Buendía dos grandes, socado e voluntarioso como os Josés Arcadios, com os olhos abertos e clarividentes dos Aurelianos e predisposto a começar a estirpe outra vez do princípio e purificá-la dos seus vícios perniciosos e da sua vocação solitária, porque era o único em um século que tinha sido engendrado com amor.

— E um antropófago perfeito — disse. — Vai se chamar Rodrigo.

— Não — contradisse o marido. — Vai se chamar Aureliano e ganhar trinta e duas guerras."

Depois de cortar o umbigo, a parteira pôs-se a remover com um trapo o ungüento azul que lhe cobria o corpo, iluminada por Aureliano com uma lâmpada. Só quando o viraram de costas é que perceberam que ele tinha alguma coisa a mais que o resto dos homens e se inclinaram para examiná-lo. Era um rabo de porco."

***

"O primeiro da estirpe está amarrado a uma árvore e o último está sendo comido pelas formigas."

"Porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão, não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra"

Gabriel García Márquez


segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

SOBRE A LUCIDEZ

Acordar e nunca mais saber de nada,
Como fosse a lucidez só mais um sonho.
Eis descrito tristemente o que proponho
À uma mente há muito desesperançada.

Me deixe, mente minha obstinada,
Agora que tudo se tornou enfadonho,
Acordar e nunca mais saber de nada,
Como fosse a lucidez só mais um sonho.

Quem sabe a razão quando abalada
Não abala também o coração tristonho.
Queria despertar desse meu sonho,
Alma minha inexistente e desolada,
Acordar e nunca mais saber de nada.

Danilo del Monte


imagem: A Persistência da Memória - Salvador Dali