sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

DECASSÍLABOS DE MIM


Em horas assim eu bato no fundo.
Esse fundo que falo é o assoalho
Do poço, úmido e podre, o fim.

Não em razão, mas obrigação sim.
Comigo eu falo, eu grito, eu ralho,
E logo então no próximo segundo

Tenho imenso desprezo pelo mundo.

Sinto também certo nojo de mim.

Danilo del Monte

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

EGOÍSMO EM REDONDILHA

Há de haver como escapar,
Um modo de por fim
Nessa sina de sonhar
E viver somente em mim.

Queria poder falar
Sobre a lua que sorri
Ou estrelas a brilhar.
Mas como, se a lua bela
Sorri só por me chamar
E as estrelas na janela
Brilham pra me ver sorrir
Ou para me ouvir cantar?

Eu conduzo a sinfonia.
Sou o ator e o diretor
Quando a arte ganha a tela.
Sou o príncipe e a donzela,
E quando a cena é de amor,
Eu que faço a maestria.
Crio a letra e a melodia
E retoco uma aquarela.

Eu escrevo a obra prima
Que faz o leitor chorar.
Como vou me abandonar
Se dou passe e faço gol?
Se o que o artista declamou
É meu verso e minha rima
Que sob algo que alucina
Eu inventei de inventar?

Há de haver como escapar,
Um modo de por fim
Nesse meu pobre almejar
De que o mundo acabe em mim.

Danilo del Monte

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

SRA. DONA INSPIRAÇÃO



Minha vida com a Sra. Dona Inspiração é ultimamente um casamento em crise. Ela, fechada, magoada, sentida, bate a porta do quarto com estrondosa violência e eu me deito no sofá. A lua-de-mel, que deveras foi de mel, foi interrompida violentamente pelo próprio Mundo, quando veio a mim e se mostrou palpável, fixo, material e necessário. Ele me puxou, me trouxe ao chão e afirmou: “Teu lugar é aqui”, e eu, que nunca soube conciliar a felicidade com a razão, nem o vermelho com o negro, fui andando sobre as pegadas já trilhadas que nenhum vento apaga, e esqueci que havia me casado.
            Nosso matrimônio nunca foi de extravagâncias, éramos discretos como dois felinos em caça, mas ela andava o tempo todo comigo, e eu vivia atolado nela, ela atrelada a mim. No fim, era como se qualquer predestinação que eu não acredito, para zombar do meu ceticismo, me desse de presente a musa que de tantos mortos eu invejava e que me visitava em sonhos que viravam pó. Meus sonhos, de uma forma ou de outra, continuaram virando pó, e eu ainda invejava a musa dos mortos que nunca morrerá, mas eu era dono de uma, dono da Inspiração que me mantinha cativo em um paradoxo literário aparentemente eterno.
            A diferença entre a empolgação e o amor eterno é que a empolgação dura mais, já me avisava Oscar Wilde, e eu nem dei atenção...   Se, quando criança, ela passava e se roçava em mim como um gato trança os pés do dono, hoje ela bate a porta do quarto na minha cara e gira a chave com extravagância para eu ouvir e saber que seria atrevimento tentar abrir.
            A minha traição se deu quando o Mundo se apresentou a mim como obrigação, e me mostrou, sem nenhuma chance de contestação minha, que era mais real do que qualquer casamento meu. Rendi-me, abdiquei de minhas armas sob o medo de sucumbir pela fidelidade, e me lancei a ele para fazer parte dele. Dizem as línguas que Inspiração vivia a me buscar enquanto eu rolava na cama pomposa das amantes vazias e interagia de igual para igual nesse imenso cenário de dementes. Se Inspiração me fazia criar, o Mundo me obrigava a copiar tudo que se fazia necessário copiar.
            O tempo jamais olhará para mim. Jamais voltará o caminhar, assim como não pisará em falso. O tempo não tropeça em seus caminhos. Sinto falta da minha vida inspirada do matrimônio, e dos filhos que fazíamos no quarto, na sala, caminhando pela rua ou dentro de um ônibus numa curta ou longa viagem. Mas a porta do quarto permanece trancada e o barulho da fechadura girando foi tão estrondoso que ainda agora posso ouvi-lo, e ainda agora ele me assusta. Agora, nossos raros momentos juntos se dão nas minhas curtas horas de embriaguez em que consigo esquecer quem me envenenou e busco, com um sorriso, a minha musa; e ela ao me ver cansado, maltrapilho e maltratado, como nos versos de Chico, me abre os braços e um sorriso, e canta, como se a ausência de alguns anos fosse curada nessas minhas curtas horas.

Danilo del Monte

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O CRIADOR


Criador que só faz admirar.
Criatura que pensa em se exibir.
O criador se vê lacrimejar
Quando nota a criatura evoluir.

Durante o dia,
Vão criador e criatura caminhar,
Unem-se tentando conseguir
À criatura modo de não se afogar,
Ao criador, razão para sorrir.

A criatura se pôs a fracassar
Ou o criador não pôde resistir.

E quando a noite,
Criador e criatura vão deitar
E fecham os olhos fingindo dormir,
O criador se põe a soluçar
E a criatura começa a sucumbir.

O criador se vê desesperar
Quando nota a criatura desistir.
De que vale, afinal, ter o que criar
Se a criatura se nega a existir?

Danilo del Monte


*imagem do blog: http://mangaepoesia.blogspot.com/

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O PESO DOS MEUS OLHOS


Veja como estão meus olhos,
Vidrados, atentos, focados
Do lado de fora da janela.
Veja meus olhos
Como não se movem um milímetro
E choram sozinhos, simultâneos
E cheios de decepção.

Meus olhos,
Veja só como eles estão.
Olhos pesados de se carregar,
Que tentam pular das órbitas,
Tentam se cegar, escurecer.
Olhos que tentam ocultar
A própria visão do mundo.

Meus olhos,
Veja como estão os meus olhos
Que fitam com desesperança
A sua face, os seus olhos secos,
Seus olhos felizes, seus olhos belos.

Olhe bem nas minhas pupilas
Cansadas de penetrar nas mentes
E perceber a mentira de olhos alheios.
Veja quão foscas sãos
E quanto brilho estão a mendigar...

Meus olhos,
Tente calcular o peso desses olhos
Que estou doando a quem o suportar.
Ponho os meus olhos na vitrine,
Expostos, focados no lado de fora da janela,
Chorando sozinhos, simultâneos,
Cheios de decepção, amargurados
E penetrantes nas pupilas alheias.

Danilo del Monte


**imagem: Lumen Design Studio

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

MAIS DO QUE UM TREM

Estou de passagem.
Estou de viagem a bordo de um trem
Que há anos corre sobre os trilhos.
A vida fica aquém, sem brilho
E também já sem esperanças.
Pela janela noto aquela paisagem
Já familiar, sem graça, sem gracejo.
O caminho veloz passa e eu nem vejo.

O trem corre acelerado
E eu, sentado em seu interior,
Sinto o vento recolher notas de amor
E lançá-las janelas afora pelo ar.
Desastrosa é minha viagem sem escalas.
Maldita seja a rosa que não morre,
A rio que não corre
E o tremor que não abala.

Já posso ver a próxima estação.
 “Atenção” diz o maquinista, avisando
Que estamos chegando à plataforma.
 “Partiremos em instantes”, informa,
Mas noto já distante minha coragem
E me recuso a abandonar o trem.
A vida do lado de fora eu não sei,
Mas acostumei a este conforto e segurança.

Pois bem, agora parte o trem
E vai ficando para trás a estação.
Meu coração bate mais forte,
Ainda que acostumado. Estou parado,
Imóvel no banco como uma criança
Que assiste desenho animado.
Segue minha viagem, segue meu trajeto
E sem nenhum projeto eu observo as paisagens.

Danilo del Monte


** imagem extraída do blog: http://poraipontocom.blogspot.com/2010/09/old-train.html