segunda-feira, 25 de julho de 2011

A PRAÇA

No caminho de algum lugar para lugar algum, caminho que freqüentemente faço dentro e fora de mim, passei por uma praça que já muitas vezes antes tinha passado, ela sempre esteve em meu caminho embora poucas vezes eu tenha percebido. Andei em círculos, não me atrevia a entrar, fui caminhando pela periferia, olhando para dentro dela enquanto ela olhava para dentro de mim, e tudo o que eu até então supus dúvida pareceu ficar claro quando ao andar ao redor da praça eu não encontrei um banco de concreto onde pudesse me sentar.

Nitidamente a praça me olha de canto de olho, me aponta o dedo e solta um sorriso já velho conhecido meu. Sorriso de canto de boca, o elogio da dissimulação. As luzes nos postes, óbvio, brilham mais do que minhas pupilas, mas não mais do que minha mente, que tão inutilmente reluz, tão bela, tão assustadora e tão desprezada, às vezes por mim mesmo.

Em um extremo um homem pede um cigarro. No outro, próximo de uma banca de jornal, um grupo ri de alguma coisa que mesmo eu desconhecendo, posso jurar que não é engraçado. Em alguns pontos crianças dormem, crianças pedem e crianças choram. Uma praça na calada da noite é o melhor retrato que se pode ter do nosso mundo, é de noite e nas praças que ratos e homens se misturam, os primeiros dos dutos de esgoto para a superfície, os segundos da superfície diretamente para os dutos de esgoto, e convivem tão bem entre si que até mesmo o cheiro de podridão pode ser dividido, repartido, compartilhado.

Um dia o malandro reinou na praça, foi nos belos tempos do chapéu, carregava no bolso não mais que uma carteira sem dinheiro e uma navalha em caso de confronto direto com outro malandro. Todos os malandros já morreram ou se aposentaram, hoje reinam pessoas sem chapéu, sem ideias e sem graça, e a praça se desfaz de gente como eu. Ao contrário dessas pessoas, as árvores me olham parecendo ter alguma coisa a dizer, mas não se atrevem, e eu continuo caminhando.

Bate o sino da igreja. Os sinos das igrejas ainda dobram, tão carregados de culpa e de mágoas. Embora tão podre o sino quanto a igreja, quantos os ratos, quanto a praça toda, é algo que me remete a tempos distantes, tempos muito mais antigos do que os tempos dos chapéus, e eu saboreio cada badalada de sonoridade exatamente igual à anterior, cada pancada vibra algo inquietante dentro de mim e eu me atrevo a entrar na praça e me sentar no banco de concreto que há pouco me repudiara.

Sento-me, me acomodo e deixo as ideias me invadirem. Ideias que passam pelo filtro e ainda sim chegam ao meu cérebro totalmente poluídas e saem pelos dedos com dificuldade, esses tremem um pouco e perdem a firmeza na hora de segurar o lápis. Fico tão desconfortável como estivesse num país estrangeiro, como se o meu ato de adentrar a praça, agravado pelo ato de sentar em um banco, fosse o maior crime do mundo, e os ratos e os ratos parecem fazer círculos ao redor de mim. As ideias me acabam, assim como acaba o filtro e o motor propulsor, e os olhares dos ratos passam a me fuzilar com maior intensidade, e em covarde desistência sou forçado a abandonar o banco e caminhar para longe enquanto escuto a praça cochichar.

Danilo del Monte

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