quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A AUSÊNCIA TEM SUAS CAUSAS

             
               Há certo tempo que os meus dedos não sabem o que é pegar um lápis e preencher alguns espaços de papel. Aqueles que um acidente natural permitiu que me conhecessem devem ter notado que muitas idéias que antes me saíam da cabeça e percorriam o meu corpo, hoje, assustadas, saem do coração em linha reta corpo afora, sem o percorrer, sem o ganhar, e vão diretamente dar com a estratosfera da Terra, diluindo-se no ar, espalhando-se e perdendo-se. Sem dúvida saltou aos raros e profundos olhos que me olham que o poeta parece ter morrido, e caminha pelas ruas da cidade como um cadáver caminharia a procura uma cova vazia e aconchegante para se deitar pelo restante dos séculos.

                O interior de meu tórax deve estar em camadas mais finas que o habitual. É como a água que vai espancando a pedra diariamente, sem trégua, sem piedade, e a pedra que ali envolta dessa água se mantém fincada ao solo, por ter fama de rocha dura a zelar, esconde a dor explicando que a água, que mole, o que pode fazer é lhe banhar. Jamais deixará a pedra de se perguntar como ela, pedra feita para machucar, pode deixar-se flagelar com tamanha violência pelas águas calmas e dissimuladas do oceano.
 
                As águas de que falei podem ser entendidas de mil maneiras diferentes, mas para pedra há somente uma referência lógica. Mas quê? Veja eu a esta altura falando em lógica... Há pouco que ela se divorciou de mim, jogando-me na cara toda a minha ingratidão. A lógica me abandonou, e a cores dos argumentos que eu conhecia desbotaram e já estão tão leves que não mais as posso distinguir, e sem esta diferenciação de cores, caros, a vida é um eterno errar e se redimir.

                Em que lugar do espaço morreu a minha inspiração? Ela não morreu, na verdade ela vem aos montes, mas de atropelo, e muitas vezes não tenho tempo, sequer, de as perceber. Noto somente vultos batucando a minha cabeça, são coisas parecidas com idéias, formadas por outras coisas que nem mesmo parecem palavras, nem sílabas nem letras, algo completamente abstrato. Vem e passam tão rápido que não consigo as pegar, antes me sentia um caçador de borboletas, já hoje sequer faço esforço para detê-las, apenas as vejo sair de mim e bater as asas rumo a qualquer lugar que seja distante o suficiente. São idéias que não podem me abraçar, são ... um instante, por favor... (Pois não? Como? Ah, sim, sim... perfeito. Obrigado, Bruxo do Cosme) são idéias sem braços. O que me faz lembrar que correr atrás delas é, na verdade, uma idéia sem pernas.

                E quanto a pedra e o mar que há pouco ilustraram esta confissão? A pedra não pode fazer senão apreciar o vasto mar, e por muito certo posso dizer que esta, tragada pelo movimento das águas, vendo-as balançar com o vento e sentindo-se despregar do forte solo, sente total necessidade de as descrever, sem para isso achar comparação digna desse enfeitiçar, e busca como metáfora exata e poética, na retórica dos aflitos, o olhar de Capitu.

Danilo del Monte

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