quinta-feira, 15 de setembro de 2011

FASCINAÇÕES, NAPOLEÃO E DEVANEIOS PARTICULARES



*Texto de TIAGO SILVA
colunista do site Gosto de Ler

Altivez, coragem, estrategismo, frieza, inteligência. São adjetivos de dar inveja a qualquer ser que um dia pretenda ser um conquistador. Agora, se existiu um homem na História em que essas qualidades melhor o distinguem, esse regozijado homem é Napoleão Bonaparte.


Retrato de Napoleão Bonaparte em Campanha


Imperador da França entre o período 1804 - 1814 (cinco anos antes, fazia parte do Consulado, período em que preparou o terreno para seu mandato), esse monarca iluminista, reconhecido por ascender após a luta contra o Absolutismo na Revolução Francesa, trouxe à sua nação o chefe que ela necessitava; uma espada que conciliasse a ordem e a paz, juntamente com um método governamental que beneficiasse aquele povo que já fora muito prejudicado com os altos impostos cobrados pelos Luíses que por lá mandaram.
Essa célebre personalidade, que não cessava em sua mania de domínio em conquistar a Europa inteira, já influenciou grandes personagens literários que compõem nossa prateleira bibliotecária. Se for contar nos dedos, do ano da morte de Napoleão – que foi derrotado por impor à Inglaterra que não se opusesse aos seus planos de expandir o território francês – em 1821 até os dias de hoje, são pouco menos que dois séculos. Mas, como progenitor de fascinantes personalidades que compõem a literatura mundial, seu legado altamente influxo pode ter a liberdade em dar um breque no final do século XIX. Justamente nesse ínterim, o francês Marie-Henri Beyle, de pseudônimo Stendhal e Fiódor Dostoievski, em diferentes datas, escreviam suas obras-primas O Vermelho e o Negro e Crime e Castigo, respectivamente.´

Stendhal
Julien Sorel, personagem central do romance de Stendhal, é um rapaz solitário, que teve uma infância marcada graças ao pai que sempre o destratou. Por ter decorado todos os trechos da Bíblia em latim, pretendia formar-se em teologia. Até que a oportunidade de trabalhar como criado na casa do prefeito de Verrières o fez conhecer a volúpia da paixão da Senhora de Rênal, a primeira-dama da cidade.

No decorrer do romance, migra da pequena cidade rumo à Paris, onde percebe que toda a veneração ingênua dos habitantes de cidadezinhas aos pólos industriais nada mais são que mera ilusão. Ingressa no curso de teologia em um local escondido da cidade, ministrado por um ganancioso abade. É lá que Sorel tem conhecimento das falcatruas que rondam os bispados e eclesiásticos, que nada mais querem senão aliarem-se a sociedade nobre para conseguirem, muitas vezes por meios inescrupulosos, aquilo que desejam.
Vale ressaltar que os grandes alvos de crítica de Stendhal foram a Igreja e a nobreza, que repudiavam e denominavam como pilhéria o povo de “classe baixa”, muito bem representado por Julien, que tinha grande sonho de se tornar um burguês e fazer uso de sua futura austeridade para castigar aqueles que o fizeram sofrer pérfidamente.
Tudo bem, o livro tem uma estória atrativa, mas, qual a relação de um mero cidadão negligenciado pela sociedade com Napoleão, o Imperador? Julien Sorel tem Napoleão como um mestre. É nele em que o personagem pensa quando consegue conquistar um grande êxito em sua vida, como roubar o coração da Senhora de Rênal e apimentar a paixão da Senhorita de La Mole, filha do marquês, que o admira bastante por ocupar um cargo de confiança em seu palacete e por obedecer fielmente as tarefas que lhe são ordenadas.
Por ter tido uma infância difícil e nunca ter tido a compreensão do pai, Julien detestava a população que o cercava e só tinha amizade com um vendedor e um velho pároco em sua cidade. Seu único desejo, que trouxe para si a infelicidade, era ter um título de nobre e um dia tomar benefício da autoridade que o dinheiro poderia lhe dar. (Era acanhado e retraído, já que não teve contato com muitas pessoas em sua vida). Porém, admirava personalidades grandiosas e ‘superiores’ – achava incapaz de um dia ter essas qualidades que tanto venerava.

Só foi se dar conta que a ambição tomou conta de si na mesma ocasião em que seu ídolo fora exilado pelos ingleses para a ilha de Santa Cecília. Julien Sorel, em momentos finais de sua vida, percebeu o declínio que a ganância trouxe para si, tirando definitivamente de seu caminho seus longínquos desejos. O suplício permitiu que sua mente vagasse nos mais diversos e absurdos pensamentos. Em um de seus devaneios, sentiu desonrado por não se assemelhar à forte personalidade de Napoleão.

Explicitando os movimentos que faziam parte de seu tempo, tendo conhecimento do predomínio futuro dos liberais na política francesa e citando Voltaire como uma mente que iluminou o pensamento de sua nação, Stendhal só teve sua complexa obra reconhecida, na época, por genialidades como Balzac e Baudelaire.

Como um par antitético dessa prosa francesa, Rôdion Romanovitch Raskólnikov, o criminoso utópico de Crime e Castigo, enxerga-se grandioso demais por viver em um ínfimo mundo onde predomina a moralidade e a hegemônica filosofia do liberalismo russo.
Dostoievski
Raskólnikov teoriza um universo proselitista. Acredita que os homens só atingirão a supremacia no momento em que se auto-enxergarem e perceberem que a inteligência e fria personalidade ditam sua superioridade. Através de um artigo, defende a existência de seres ‘extraordinários’, que têm a autoridade de mandar, manipular, assassinar e torturar os inferiores seres ‘ordinários’, que devem se submeter às exigências por terem a infelicidade de dominar o que pensam e não possuírem a inteligência e astúcia, características fundamentais na teoria de Raskólnikov para que se atinja o mais alto nível hierárquico nessa escala.

E quem poderia ser o espelho de toda essa conclusão? Mister Napoleão, o célebre personagem que derrubou a monarquia absolutista e instaurou a república, aniquilou o último dos Luíses, passou por cima de todos os contrários ao seu modelo político e conquistou uma legião de fascinados que ultrapassam o limite da moralidade e observam a violência como método decisivo e inevitável para que determinados desejos e excentricidades se sobreponham sobre um modelo vigente.

O ‘herói’ do romance de Dostoievski, alienado por essa instância de superioridade, se viu obrigado a provar sua teoria e mostrar a si mesmo que era ‘extraordinário’. Para tanto, planejou assassinar uma velha ranzinza e, inesperadamente, também teve que apunhalar sua vassala irmã, que assistiu a morte de sua única parenta.

Só que, o que não constava nos seus planos, era o infinito martírio que viria a dominar sua mentalidade nos dias a seguir. Sua consciência vagava nos mais inconscientes sofrimentos, alimentados pela esperteza de um delegado, as pressões de sua mãe e a preocupação com Porfíri Pietróvitch, um nobre cavaleiro que desejava desposar sua irmã para colocar em prática sua superioridade perante os economicamente menos abastados.
Tendo os fatos nadando em corrente contrária a sua situação, Raskólnikov tem a estreita sorte de conhecer uma tímida prostituta, que trabalha para sustentar seu sobrinho, e, ingenuamente, confessa seu crime.

Os psicóticos pensamentos de Raskólnikov jamais deixaram de lado Napoleão Bonaparte, condutor e alimento para todo esse sofrimento mental do personagem. O que é visível perceber, é que o maior apego ao Napoleão não foi por seu reinado na França no início do século XVIII. Foi a sua atitude em levantar a espada, sua coragem em ultrapassar limites, sua ousadia em elevar acima de tudo seus desejos que influenciaram personagens complexos tão reverenciados na literatura universal. Raskólnikov e Julien Sorel, até hoje, são considerados duas das maiores personalidades no universo literário, mesmo após mais de um século de existência. Napoleão, não se pode negar, foi e ainda é um ídolo. Agora, se o seu legado trouxe conseqüências benéficas ou não a uma futura geração não inserida nas fascinantes páginas dos livros, isso já é outra história.






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