*Texto de TIAGO SILVA
colunista do site Gosto de Ler
colunista do site Gosto de Ler
Altivez,
coragem, estrategismo, frieza, inteligência. São adjetivos de dar inveja a
qualquer ser que um dia pretenda ser um conquistador. Agora, se existiu um
homem na História em que essas qualidades melhor o distinguem, esse regozijado
homem é Napoleão Bonaparte.
Retrato de Napoleão Bonaparte em Campanha |
Imperador
da França entre o período 1804 - 1814 (cinco anos antes, fazia parte do
Consulado, período em que preparou o terreno para seu mandato), esse monarca
iluminista, reconhecido por ascender após a luta contra o Absolutismo na
Revolução Francesa, trouxe à sua nação o chefe que ela necessitava; uma espada
que conciliasse a ordem e a paz, juntamente com um método governamental que
beneficiasse aquele povo que já fora muito prejudicado com os altos impostos
cobrados pelos Luíses que por lá mandaram.
Essa célebre
personalidade, que não cessava em sua mania de domínio em conquistar a Europa
inteira, já influenciou grandes personagens literários que compõem nossa
prateleira bibliotecária. Se for
contar nos dedos, do ano da morte de Napoleão – que foi derrotado por impor à
Inglaterra que não se opusesse aos seus planos de expandir o território francês
– em 1821 até os dias de hoje, são pouco menos que dois séculos. Mas, como
progenitor de fascinantes personalidades que compõem a literatura mundial, seu
legado altamente influxo pode ter a liberdade em dar um breque no final do
século XIX. Justamente nesse ínterim, o francês Marie-Henri Beyle, de
pseudônimo Stendhal e Fiódor Dostoievski, em diferentes datas, escreviam suas
obras-primas O Vermelho e o Negro e Crime e Castigo, respectivamente.´
Stendhal |
No decorrer do romance, migra da pequena cidade rumo à Paris, onde percebe que
toda a veneração ingênua dos habitantes de cidadezinhas aos pólos
industriais nada mais são que mera ilusão. Ingressa no curso de teologia
em um local escondido da cidade, ministrado por um ganancioso abade. É lá que
Sorel tem conhecimento das falcatruas que rondam os bispados e eclesiásticos,
que nada mais querem senão aliarem-se a sociedade nobre para conseguirem,
muitas vezes por meios inescrupulosos, aquilo que desejam.
Vale ressaltar que os grandes alvos de crítica de Stendhal foram a Igreja e a
nobreza, que repudiavam e denominavam como pilhéria o povo de “classe baixa”,
muito bem representado por Julien, que tinha grande sonho de se tornar um
burguês e fazer uso de sua futura austeridade para castigar aqueles que o
fizeram sofrer pérfidamente.
Tudo bem, o livro tem uma estória atrativa, mas, qual a relação de um mero
cidadão negligenciado pela sociedade com Napoleão, o Imperador? Julien Sorel tem
Napoleão como um mestre. É nele em que o personagem pensa quando consegue
conquistar um grande êxito em sua vida, como roubar o coração da Senhora de
Rênal e apimentar a paixão da Senhorita de La Mole, filha do marquês, que o
admira bastante por ocupar um cargo de confiança em seu palacete e por obedecer
fielmente as tarefas que lhe são ordenadas.
Por ter tido uma infância difícil e nunca ter tido a compreensão do pai, Julien
detestava a população que o cercava e só tinha amizade com um vendedor e um
velho pároco em sua cidade. Seu único desejo, que trouxe para si a
infelicidade, era ter um título de nobre e um dia tomar benefício da autoridade
que o dinheiro poderia lhe dar. (Era acanhado e retraído, já que não teve
contato com muitas pessoas em sua vida). Porém, admirava personalidades
grandiosas e ‘superiores’ – achava incapaz de um dia ter essas qualidades que tanto
venerava.
Só foi se dar conta que a ambição tomou conta de si na mesma ocasião em que seu ídolo fora exilado pelos ingleses para a ilha de Santa Cecília. Julien Sorel, em momentos finais de sua vida, percebeu o declínio que a ganância trouxe para si, tirando definitivamente de seu caminho seus longínquos desejos. O suplício permitiu que sua mente vagasse nos mais diversos e absurdos pensamentos. Em um de seus devaneios, sentiu desonrado por não se assemelhar à forte personalidade de Napoleão.
Explicitando os movimentos que faziam parte de seu tempo, tendo conhecimento do
predomínio futuro dos liberais na política francesa e citando Voltaire como uma
mente que iluminou o pensamento de sua nação, Stendhal só teve sua complexa
obra reconhecida, na época, por genialidades como Balzac e Baudelaire.
Como um
par antitético dessa prosa francesa, Rôdion Romanovitch Raskólnikov, o
criminoso utópico de Crime e Castigo, enxerga-se grandioso demais por viver em
um ínfimo mundo onde predomina a moralidade e a hegemônica filosofia do
liberalismo russo.
Dostoievski |
E quem poderia ser o espelho de toda essa conclusão? Mister Napoleão, o célebre personagem que derrubou a monarquia absolutista e instaurou a república, aniquilou o último dos Luíses, passou por cima de todos os contrários ao seu modelo político e conquistou uma legião de fascinados que ultrapassam o limite da moralidade e observam a violência como método decisivo e inevitável para que determinados desejos e excentricidades se sobreponham sobre um modelo vigente.
O ‘herói’ do romance de Dostoievski, alienado por essa instância de superioridade, se viu obrigado a provar sua teoria e mostrar a si mesmo que era ‘extraordinário’. Para tanto, planejou assassinar uma velha ranzinza e, inesperadamente, também teve que apunhalar sua vassala irmã, que assistiu a morte de sua única parenta.
Só que, o que não constava nos seus planos, era o infinito martírio que viria a dominar sua mentalidade nos dias a seguir. Sua consciência vagava nos mais inconscientes sofrimentos, alimentados pela esperteza de um delegado, as pressões de sua mãe e a preocupação com Porfíri Pietróvitch, um nobre cavaleiro que desejava desposar sua irmã para colocar em prática sua superioridade perante os economicamente menos abastados.Tendo os fatos nadando em corrente contrária a sua situação, Raskólnikov tem a estreita sorte de conhecer uma tímida prostituta, que trabalha para sustentar seu sobrinho, e, ingenuamente, confessa seu crime.
Os psicóticos pensamentos de Raskólnikov jamais deixaram de lado Napoleão Bonaparte, condutor e alimento para todo esse sofrimento mental do personagem. O que é visível perceber, é que o maior apego ao Napoleão não foi por seu reinado na França no início do século XVIII. Foi a sua atitude em levantar a espada, sua coragem em ultrapassar limites, sua ousadia em elevar acima de tudo seus desejos que influenciaram personagens complexos tão reverenciados na literatura universal. Raskólnikov e Julien Sorel, até hoje, são considerados duas das maiores personalidades no universo literário, mesmo após mais de um século de existência. Napoleão, não se pode negar, foi e ainda é um ídolo. Agora, se o seu legado trouxe conseqüências benéficas ou não a uma futura geração não inserida nas fascinantes páginas dos livros, isso já é outra história.
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