quarta-feira, 26 de outubro de 2011

CHEGUEI


Cheguei. Vim.
Passei por cima de ideias e razões e vim,
Já desconheço a cor dos argumentos.
Cheguei por caminhos turvos, curvos
Como são os caminhos da percepção.

Cheguei onde antes já havia chegado,
Mas por inteiro ignorado
Como agora ignoro ideias e razões.
Cheguei e me sinto perdido onde cheguei,
Fiz também com que perdessem, outros,
Suas ideias e completamente a razão.

Eu vim.
Cheguei ébrio e tropeçando,
Cheguei torto pelo caminho tortuoso,
Cheguei tão metafórico quanto posso ser.
Vim e agora quero abrir o restante do caminho,
Até aqui cheguei por concessão e teimosia,
Já recuei por medo e agora anseio ver o fim.

Eu vim,
Mas o fim parece que já está atrás de mim.

Danilo del Monte

domingo, 23 de outubro de 2011

O ERRANTE


Tenho mecanismos de defesa
Que a própria defesa pode ignorar.
Às vezes erro a mesa,
Viro a de casa, sirvo a do bar,
Já paguei despesa de mendigo
E fugi deixando a minha sem pagar.

Já dei minhas emoções como mortas,
Já cheguei a enterrar o que não faleceu.
Já valorizei o mínimo e não vi o apogeu,
Mas ainda escrevo tudo em linhas tortas
Muito mais certas que as de Deus.

Meus métodos de ataque erram o alvo
E batem forte no que é meu.
Tenho escudo e não estou a salvo,
Já tive imunidade, hoje se escondeu.
Meus exércitos me abandonaram
Achando que eu já não era eu.

Eu já quebrei a mesa
E depois, triste, corri a consertar.
Um dia eu fugi com pressa,
Hoje, arrependido, volto devagar.
Ontem me perdi na estrada,
Hoje só quero me encontrar.

Danilo del Monte

terça-feira, 18 de outubro de 2011

DESCONFIAMOS



Desconfie daquele que não bebe,
Daquele que com a dor se acostuma,
Do ser que de valores se perfuma
E vive sempre muito aquém da sebe.

Desconfie daquele que não fuma,
Da própria idéia se desapercebe.
Desconfie do tal que preconcebe
Um vulto ébrio e belo da escuma.

Desconfie daquele que não sofre,
De quem nunca pensou em se matar.
Em seu íntimo a vida fede a enxofre,

Belos dentes só querem lhe rasgar.
A lucidez tem a chave de um cofre,
Não deixe que ela venha te roubar.

Danilo del Monte

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

À QUEM QUER QUE SEJA



Seja você quem quer que seja,
Hoje estamos próximos um do outro. Próximos
Como talvez nunca esteve um pai de seu filho.
Estamos próximos sejas tu quem quer que seja.
Seja bandido, padre, um fratricida, estuprador, seja...
Sejas tu irmão dos ratos que adentram os esgotos,
Sejas tu o que bebe o sangue podre das carnificinas,
Hoje estamos próximos.

Quis o acaso que nos tornássemos praticamente um.
Tu, lendo o que eu não pude ler,
E eu, sentindo em teu lugar o efeito das palavras que não li,
Das palavras que para ti são vazias, são monótonas,
Um simples sujar de primeira página que corrompe a obra.

Tu, que indevidamente ganhara
Um presente destinado a mim,
Que olhe para o livro como quem olha para um deus,
Sem por isso crer deveras em sua existência,
E depois corra a mirar o espelho
E note que no fundo dos teus olhos, talvez verá os meus.

Talvez não saibas, caro amigo,
Que o machado com que assassinas uma velha senhora me pertence,
E que dela, o sangue que jorrou procurava o meu rosto.
Talvez não saibas que a brutal arma que deveria repousar em minha cama,
Sonhar junto de mim, chora triste em sua estante,
E a cada dia perde um pouco da vontade de voltar pra casa.

Não se aflija. Quem, afinal, poderia saber
Que tamanho tesouro cairia em tuas mãos?
Não se aflija, há quem no mundo carregue culpa maior que ti,
Sem por isso deixar de usar outro machado.
Não se aflija, seja você quem quer que seja.
Estenda-me a mão e a outra à que segurou a pena
Como ninguém mais capaz faria igual.
E de braços dados vamos tentar caminhar,
Que quem foi privado das palavras e do sangue
Se completa da companhia de quem indevidamente os recebeu,
E na de quem frases e machado esparramou ao vento.


Danilo del Monte