domingo, 22 de janeiro de 2012

SOFIA, CUIDADO


Sofia, cuidado.
Abre o olho, menina,
Que a tua sina
Eu conheço
Desde o começo
Até onde ela se finda.

Sofia, cuidado,
Teu cinismo acumulado
Somado ao maltratado coração
A deixará por terra.
Onde a alegria se encerra
Começa a tua inspiração,
E querendo ou não
Será bem-vinda.

Sofia, atenção,
Olhe bem para quem cantas.
Cada um que tu encantas
Seguirá em tua direção.
Terás disposição?
Sofia, precaução,
Que a sorte há de te virar ainda.


Danilo del Monte


*imagem: Quadro do espetacular EDVARD MUNCH, Mãos.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

DEIXE-ME NINGUÉM



Eu quero me tornar Ninguém,
Convicto de que quem É,
Acaba, na verdade, sendo, também, ninguém,
Mas um ninguém pior do que quem quer ser Ninguém.
Quem É porque ser quer
– alguém ou alguma coisa qualquer –
É alguém pior do que quem já morreu.

Mas convicção também não quero ter,
Não é próprio de alguém que como eu,
Almeja ser Ninguém.
Deixe-me estar além desta festa,
Desta falácia de quem busca ser alguém,
De quem busca ser aquilo que não é
Pelo simples pânico de ser ninguém.

Eu quero ser Ninguém!
Eu estou quase conseguindo ser Ninguém
Depois de tudo o que ser eu já tentei.
Eu já tentei ser Eu,
E de mim, meu próprio eu se escondeu.
Eu já tentei ser uma farsa,
Mas a farsa dentro de um sonho se perdeu,
E o sonhos, como tudo, o tempo esgarça,
E tudo joga ao chão e a tudo pisa
Com as botas que a vida pisa uma ilusão.

Aprendi que o Alguém é sempre muito triste
Porque alguma coisa ele é,
E de alguma forma qualquer ele existe.
Aprendi que quero estar do avesso,
E já começo atingir o estado de Ninguém.

(De repente, sem querer, ser o ideal de alguém
Quando alguém quiser
Ninguém.)



Danilo del Monte

* inspirado no poema de Emily Dickinson

** imagem: Quadro surrealista de René Magritte


segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

À TUA DECEPÇÃO


Pra que a decepção?
Justo comigo. Justo? Não!
Pra que decepção
Se sabes que a razão
Em mim destrói a ilusão
Do ideal imaginar.

Não à decepção.
Comigo não.
Deixe-me ser, ao menos fingir.
Deixe-me tentar conduzir
A minha sucessão de erros
Sem a tua decepção;

Vi no fundo dos teus olhos claros,
Caros a mim como os de mais ninguém,
Que a minha imagem já se desfazia.
Não é assim, também não tão aquém
De como sempre me enxergara,
Com seus olhos claros
Caros a mim como os de mais ninguém.

Não me negue,
Há quem carregue o pesar do meu olhar?
Nem se decepcione,
Não há no mundo quem tenha esse direito.
Eu tive idéias retas na cabeça,
Hoje trago dores no meu peito.

Que suas palavras continuem a me falar,
Daquele jeito particular, como as de mais ninguém,
Com a mesma força de uma bala de canhão;
E que o seu mirar claro ache um jeito,
Qualquer um, de me olhar,
Não com respeito nem com desprezo,
Talvez nem mais com aquele antigo admirar,
Mas, se não for pedir demais, com o mesmo sorriso são,
Porque bem sabes que eu não posso com a tua decepção.

Danilo del Monte

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

CASA DE FERREIRO




E se os versos, de repente, já não forem falsos?
Quanto tempo tentando decifrar segredos...
Enquanto senhor de mim, caminhei descalço
Porque de acostumar os pés à bota tive medo.

Do mundo não se escapa, estamos juntos,
E agora entendo a fundo a desgraça dos poetas.
Dou menos valor a desatinos e delírios oriundos
Da náusea da qual a imaginação anda repleta.

Agora entendo os desafortunados da canção,
Perdidos, todos, como fossem estrangeiros.
Se agora já é hora, então solta a minha mão.
Não vê que meu coração é como a velha casa de um ferreiro?


Danilo del Monte