quinta-feira, 29 de março de 2012

AS COSTAS




Fique atento com as costas,
Essas mesmas que suas mãos pousam ao abraçar.
Arqueadas, querem o peso de um mundo carregar,
Mas cansam, e erguendo-se jogam tudo ao chão.


Preste atenção às costas.
Largas para a dor de sua tristeza poderem suportar,
São também largas quando se viram para se mostrar;
E não possuem olhos que vejam nos teus a decepção.


Danilo del Monte



* imagem: "Retrato de Edward James", René Magritte

segunda-feira, 19 de março de 2012

POEMAS DE NOEL ROSA


O QUE É UM VIOLÃO

O violão, meu amigo e companheiro,
Que sempre partilhou de minha dor,
Na serenata sempre foi bom companheiro,
Numa modinha, o meu melhor inspirador.

Nem bandolim nem violino bem tocado,
Nem mesmo um cavaquinho em boa mão
Me fizeram ficar tão inspirado
Quanto fiquei com o som de meu violão.

Ele, quem me ditou o canto e a rima,
Ele quem a vibrar se acostumou,
Soluça no bordão, geme na prima...

É ele quem me anima e me seduz.
Juro deixar o mundo alegremente
Desde que eu tenha um violão por cruz.


(1930)


***


                                                   DESILUSÃO

Quando começou
A nossa amizade,
Eu só te pedia
Sinceridade.

Poderás te esquecer
Do meu sofrer,
Pra fugir ao tormento
Eu prefiro morrer.

Agora, tudo desfeito
Pela tua ingratidão,
Somente guardo no peito
Mais uma desilusão.

Se meu padecer
Te trouxer venturas,
Serei venturoso
Entre amarguras.

                                                (1924)




***


Jocelyn, Jocelyn,
Jocelyn da Encarnação,
Severo amigo,
Mais que amigo, irmão.

(1936)


*** 

O caralho é o pai de todos os mortais.
Consolador de pombas e bocetas,
Alma dos cus e coração das gretas...

Foi com quem sua mãe sempre se viu,
Ele é meu pai, seu pai, pai do soneto
E pai da puta que o pariu.

(1926)

quarta-feira, 14 de março de 2012

APITO FINAL


Apito final. Um último olhar. Está certo? Está certo! Apito final.

As ruas já não são mais as mesmas, estão tristes, caladas, mortas. As bandeirinhas coloridas que enfeitavam e fechavam a visão do céu caem, fileira por fileira, e se arrebentam no chão, onde são retiradas tristes pelos meninos tristes que as vão usar para empinar pipa. Apito final.

As cores já não são mais as mesmas. Toda tinta começa a desbotar e o asfalto vem de novo revelar-se negro, tanto quanto os ânimos, os humores e a inexistente alegria do momento. As guias das calçadas logo estarão todas iguais como os dias de nossas vidas, e os postes parados de novo, sérios, com cara de postes. Donas de casa deixarão de reclamar das cornetas, velhos rabugentos esquecerão dos gritos, cães não se assustarão com fogos e pandeiros, tambores e tamborins já começam a se calar.

Apito final. Um segundo de descrença e o desespero convertido em melancolia

Passo pelas ruas após o apito final e já não são só as ruas, mas todo um país me parece estranho. Tudo está silencioso, de um silêncio tão doente, triste e atordoante como aqueles que pairam no ar após a explosão de uma bomba. Os cidadãos à porta das casas de braços cruzados olham o chão. Algumas crianças choram baixinho; as mais novas (e por isso mais inteligentes) brincam normalmente, mas percebem que algo estranho aconteceu, e talvez imaginem que alguma guerra foi perdida. Passo e os comércios vão se abrindo, sem música, sem palhaços, sem cornetas. Meus olhos veem tudo e deixam escapar uma ou outra lágrima que cai tão muda quanto meus pensamentos. Tudo era tão doce, tão doce, que se tornou indigesto. Foi doce. Era doce e acabou. Agora são amargos os passos que voltam desolados ao trabalho e quebram o silêncio que reinou após o ensurdecedor barulho do apito final.

E agora, José? Como assim, e agora? Agora é caminhar, porque toda alegria tem um fim, não importa se no riso ou se no choro, mas de alguma forma ela termina. Agora é acumular histórias para contar, é a ressaca de uma festa memorável e triste. Agora é procurar pelas ruas algum sinal de que o que se passou deveras aconteceu. Agora é esperar que o tempo passe novamente em ciclos quadriláteros para que de novo uma esfera fale a mesma língua. Agora é fazer a contagem regressiva que se inicia com o apito final.

Soa o apito final, machucando os ouvidos e os ânimos, e apesar de tudo, as bandeiras ainda estão hasteadas. Choram, mas estão hasteadas. Nada perdemos, nada ganhamos. E quem não se sente bobo em pensar nas razões de nossa angústia, de nossos passos perdidos voltando ao trabalho, de nosso desligar de rádios e televisões, de nosso pranto? Nada perdemos e nada ganhamos, mas as maiores sensações não são mesmo aquelas que não têm razão de ser?

Um último olhar. Está certo? Sim, está. Então acabou. Apito final.

Danilo del Monte
5 de Julho de 1982







domingo, 11 de março de 2012

NÃO TEM PROBLEMA, NÃO


Então tá.
Deixo assim se é assim que é pra deixar.
Deixo em mim só recordação
Porque de tinta indelével
Não se pode apagar.
Deixo histórias de navegação,
Tanto tempo em um só mar,
Estando à deriva a contemplar
A bela, mas vazia imensidão.

Estão está bem.
Para além do horizonte vou me aventurar.
Vou quebrar do meu barco a direção
E deixar que a ventania queira me guiar.
Se a sorte quiser eu fico bem,
Se a sorte deixar eu fico sem
Cais para nunca mais me atracar.
Tudo bem, não tem problema, não,
O oceano há de me arrancar o coração.

Danilo del Monte