As ruas já não
são mais as mesmas, estão tristes, caladas, mortas. As bandeirinhas coloridas que
enfeitavam e fechavam a visão do céu caem, fileira por fileira, e se
arrebentam no chão, onde são retiradas tristes pelos meninos tristes que as vão
usar para empinar pipa. Apito final.
As cores já
não são mais as mesmas. Toda tinta começa a desbotar e o asfalto vem de novo revelar-se negro, tanto quanto os ânimos, os humores e a inexistente alegria do
momento. As guias das calçadas logo estarão todas iguais como os dias de nossas vidas, e
os postes parados de novo, sérios, com cara de postes. Donas de casa deixarão
de reclamar das cornetas, velhos rabugentos esquecerão dos gritos, cães não se assustarão com fogos e pandeiros, tambores e tamborins já começam a se calar.
Apito final. Um segundo de descrença e o desespero convertido em melancolia
Passo pelas
ruas após o apito final e já não são só as ruas, mas todo um país me parece
estranho. Tudo está silencioso, de um silêncio tão doente, triste e atordoante como aqueles que pairam no ar após a explosão de uma bomba. Os cidadãos à porta das casas de braços cruzados olham
o chão. Algumas crianças choram baixinho; as mais novas (e por isso mais
inteligentes) brincam normalmente, mas percebem que algo estranho aconteceu, e
talvez imaginem que alguma guerra foi perdida. Passo e os comércios vão se
abrindo, sem música, sem palhaços, sem cornetas. Meus olhos veem tudo e deixam escapar uma ou outra lágrima que cai tão muda quanto meus pensamentos. Tudo era
tão doce, tão doce, que se tornou indigesto. Foi doce. Era doce e acabou. Agora
são amargos os passos que voltam desolados ao trabalho e quebram o silêncio que
reinou após o ensurdecedor barulho do apito final.
E agora, José?
Como assim, e agora? Agora é caminhar, porque toda alegria tem um fim, não importa
se no riso ou se no choro, mas de alguma forma ela termina. Agora é acumular
histórias para contar, é a ressaca de uma festa memorável e triste. Agora é
procurar pelas ruas algum sinal de que o que se passou deveras aconteceu. Agora
é esperar que o tempo passe novamente em ciclos quadriláteros para que de novo
uma esfera fale a mesma língua. Agora é fazer a contagem regressiva que se
inicia com o apito final.
Soa o apito
final, machucando os ouvidos e os ânimos, e apesar de tudo, as bandeiras ainda
estão hasteadas. Choram, mas estão hasteadas. Nada perdemos, nada ganhamos. E
quem não se sente bobo em pensar nas razões de nossa angústia, de nossos passos
perdidos voltando ao trabalho, de nosso desligar de rádios e televisões, de
nosso pranto? Nada perdemos e nada ganhamos, mas as maiores sensações não são
mesmo aquelas que não têm razão de ser?
Um último
olhar. Está certo? Sim, está. Então acabou. Apito final.
Danilo del Monte
5 de Julho de 1982
5 de Julho de 1982
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