Epifanias deviam bater na porta e
pedir licença para entrar. Não é assim não, chegando e se apossando como quem
já é de casa. Na maior cara lavada entra, senta-se no sofá, desliga a TV e se
presta a falar com a gente sobre algum assunto demasiado pessoal e importante.
Não, não é assim... Tem que tocar a campainha, identificar-se e me dar a opção
de receber ou dizer: "não é benvinda, vá-se embora", ou talvez ficar
quieto, de acordo com a minha covardia, respirando tranquilamente e esperar que a intrusa volte os passos
imaginando que a casa está vazia.
Seja como for, benvinda ou não,
se pediu licença ou se invadiu minha pobre e falsa residência, entrou. Quantas
coisas me disse que eu não queria ouvir... tantas eu já supunha, mas fugia,
outras eu sequer fazia idéia que pudessem existir. De qualquer forma, tenho
sido desonesto com tanta gente... Custa-me esta meia confissão, mas o uso
egoísta das vidas humanas é um dos meus passatempos favoritos; e enquanto
observo o interior alheio e me encanto, esqueço de quem sou e do que sou feito.
Sou falso... mas o que há no mundo que pode ser considerado verdadeiro? Talvez
somente a confissão da minha farsa.
Sendo direto, substituo os meus
demônios pelos demônios alheios, e ao passo que extermino alguns que vivem no
subsolo dos outros, os meus próprios se acumulam e dão cria dentro de mim.
Demônios... Se deveras nascem no
inferno, temos dentro de nós, cada um, um inferno particular, ou somos o
inferno por inteiro, horrendo e dantesco, feito de círculo sob círculo, de
penitência sob penitência, porque cada um é culpado da própria mediocridade e
do leite envenenado que mamou na infância. Força atrai fraqueza. Uma falsa
força atrai muito mais fraquezas e o gosto protecionista e egoísta.
Epifania... eu gosto dos demônios
alheios e prefiro que ninguém toque nos meus. Cultuo o inferno com amor, como
um pescador cultua os seus anzóis ou um garoto suas figurinhas. Tenho sido
desonesto com vocês, mas é esta a forma que tomou em mim a falsidade do mundo,
todos a tem, e a minha, querendo ou não, é do tipo mais nobre. Abram os livros,
crianças, abram os livros, com tantos livros que há no mundo, que diferença
faria, afinal, o meu poema dantesco?
Danilo del Monte
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