quarta-feira, 27 de junho de 2012

FILHAS DA DÉCIMA MUSA


Corre, estou na superfície, não demora,
Que a nossa alegria é por um triz.
Nossa mãe, que pela História ainda chora,
E que mais que mãe, foi professora,
Deu-nos de beber a água de seu chafariz.

Aluna grega, abra os braços.
Teu corpo de rainha junto ao meu de imperatriz.
Tua ginga de plebeia, meu olhar de camponesa.
Nossa malícia de aluna e de atriz...
Vem, que a mesma mão que faz a mesa
É a mão que debaixo da tua pele fogo ateia.
Teu dorso nu, sublime, de sereia.
Tua pele de princesa que princesa quis.

Não para. O público para e repara
Minha saia amarrotando tua saia,
Teus dentes arranhando meu nariz.
Afrodite guarda quem te fez tão graciosa,
Guarda a mãe que falava e que era rosa,
E que rosa, encantou-se também com Flor de Lis.

Tuas carnes, em mãos minhas, têm espasmos,
E os sussurros, no ouvido, são ardis.
E esses senhores, que nos olham pasmos,
O que querem, tão chocados e febris?
Engravatados e hostis, fazem tanto caso...
Por um deles, um ladrão, nossa mãe foi infeliz.
Minhas carnes em mãos tuas têm espasmos
Na violência dos gestos tão gentis.

Danilo del Monte

* imagem: Charles Mengin - Sappho, 1877

segunda-feira, 25 de junho de 2012

UM MATADOR DE GIGANTES

Filho meu, quanto tempo, que saudade,
Venha, entre, me pegou em boa hora.
A casa é sua, minha que não há de ser.
Que tem feito da vida e de você?
Estava pensando justamente agora
Em erguer uma mansão nessa cidade.

Veja que bela porta de madeira,
Presente de um baiano boa vida;
Trouxe-a nas costas lá de Juazeiro.
Enriquei, mas não gosto de dinheiro
Dinheiro me atrai coisa dolorida,
Então ele é seu, use-o como queira.

Vamos, entre, não fique aí parado.
Dê um cigarro ao teu velho pai
Que felizmente agora ficou rico.
Reformarei a casa, mas não fico,
Partirei esse mês para Dubai,
Onde secretamente fui chamado.

E viu que jogo duro quarta feira?
Eu ganhei a camisa do atacante,
Fui eu que lhe ensinei a jogar bola.
Desde que o Zico me acertou de sola
Tenho vivido por aí errante,
Ainda há sangue meu em sua chuteira.

Será que você tem mais um cigarro?
Antes de ir, me compre uma cerveja
Enquanto eu penso na decoração.
O Zé do bar me deve um milhão,
E se não quiser me pagar, que seja,
Já vivo de vender santos de barro.

Danilo del Monte


*imagem: Windmills - Dom Quixote e Roncinante

quarta-feira, 20 de junho de 2012

SOBRE OS APERTOS DE MÃO


Antes de tudo existem os “Parabéns”. É o ponto de partida para a nossa depreciação. Se não houvesse o reconhecimento, quem sabe agora não estaria eu pensando em outras literaturas?! Mas há... houve, e então existe o profundo desprezo pelo espelho, que levanta o braço esquerdo quando se acena com o direito, e sem querer me dá a melhor representação do que sou, o avesso dos próprios valores, oculto numa aparência idêntica que ilude quem vê de longe ou de perto. Não pensem que não me sinto culpado. Decerto quem me vê não consegue adivinhar, mas meu sorriso atingiu o elogio da falsificação em níveis extremados. Não pensem que não me sinto culpado, não pensem que posso dormir em paz. Meus pesadelos acontecem entre montanhas de papel, entre aplausos, entre elogios e apertos de mão. Não pensem que estou de acordo nesse trem, onde cada estação arranca do passageiro um pedaço da sua inocência.

                Infelizmente meus palpites para a criação de um planeta não puderem ser ouvidos. Quando nasci, já em ano falso de um falso calendário, o mundo estava pronto e há muito tempo funcionava. Já era velho, e por ser velho carregava vícios sobre vícios, males sobre males, e a ordem do jogo dizia que o padrão foi feito para se seguir, e que a consciência pesada é a origem da sujeira e não a consequência, culpada pelo fiasco do poder, pelo fracasso da vontade. Nesta filosofia, vi homens se cumprimentando com suaves apertos de mão e piscar de olhos, vi porcos jogando cartas, abutres bebendo uísque e aves de rapina discursando em voz suave. Não pensem que não me sinto culpado, mas recebi também o piscar de olhos, senti a palma macia das mãos brancas e acetinas roçarem as minhas, assisti ao jogo de cartas, ganhei uísques e ouvi discursos, tudo isso porque viver é necessário e impreciso.

                Das vozes que me cercam, a mais sábia e mais humana me absolve, eu estou dentro do que não criei, e na mais baixa das esferas, sem ganhar nada, sem agir por conta, mal sabendo como é que a vida funciona, tentando viver... Mas não me basta, sinto respingos de lama na minha calça e andar em público já me é constrangedor. Eu ainda me sinto culpado e a minha cama ainda é dura e desconfortável (não como cama de pau, mas sim como as mais finas plumas). A cura de tudo isso não é simples como parece, em cada canto há um lobo, e em cada homem, do mais podre ao mais limpo, há direta ou indiretamente uma submissão à matilha. Dessa regra, exceção às outras regras, não se escapa. Infeliz a criatura que disso sabe e toma consciência, malditos os seus olhos que se abrem quando não se fecha o coração. Por essa razão os suicidas do mundo nos atingem e nos ofendem, porque nos mostram que somos covardes e, acima de tudo, que já não era mais possível nos aturar; e como última nobreza (e maior temeridade) abrem espaço para que continuemos infectando essa cicatriz.

Danilo del Monte

terça-feira, 19 de junho de 2012

A MÃO ROMANA




Sou como um homem de porcelana,
Um aperto de mão estilhaça-me os ossos,
Um olhar de aprovação me queda ao chão.

A grave calma voz de quem me chama,
Se amigável, deixa-me em destroços,
Se bruta, me oferece nobre redenção.

Não à fama, não à cama, não à lama.

Homem de gelo, larga a minha mão.


*****

A mão que aperta a minha mão
E com tamanha força a segura,
Parece, nesse toque, perceber.

Na manga trago a redenção,
Na manga a justiça obscura 
E afiada implora pra nascer.

Romano o homem que me atura.

Romana a febre de vencer.

Danilo del Monte

terça-feira, 12 de junho de 2012

JÁ FAZ TEMPO



Tempo, tanto tempo...
De lá pra cá nem uma graça,
De lá pra cá nem um adeus,
De lá pra cá nem os olhos teus
Me interrogando “o que se passa?”

Tempo, tempo, tanto tempo...
Há quem diga que o tempo é irrelevante,
Há quem diga que o tempo é como o vento
Que apaga velas e ventila incêndios.
Há quem use o tempo para arremessar amor pela janela;
Mas eu conheço a origem das palavras,
Mas eu conheço o que germina sob elas,
E não são belas as flores que brotam desse tempo.




Danilo del Monte
Maio de 2012