terça-feira, 24 de julho de 2012

APENAS MÚSICA




Assim como eram os cogumelos para Alice é a música para mim,
Uma me faz crescer e outra me diminui
Uma me dá coragem e outra me reprime,
Uma me faz me esconder e outra me dá força para planejar e agir.
É assim que a música participa da minha vida,
Criando um vai e vem, um sobe e desce,
Um turbilhão de sentimentos que não me dão certeza de nada,
Mas me mostram que a vida é feita de emoções...


E ainda tem muito por vir!

Leandro M. Mendes

sexta-feira, 20 de julho de 2012

PICASSOS QUE MOVIAM-SE POR LONDRES


A carta que segue transcrita abaixo não foi direcionada a ninguém, trata-se de um documento parte de um romance. Para ser mais preciso, QB VII, de Leon Uris, ambientado no complicado cenário europeu do pós Segunda Guerra. Uma carta dentro de um romance talvez não tenha conteúdo histórico, mas em muitos casos ilustra e aguça o nosso entendimento sobre um determinado período, é o caso das linhas confusas e assustadas que seguem mais abaixo.

No enredo da história, Angela Kelno, esposa do médico Dr Adan Kelno, polonês e ex prisioneiro de guerra nazista no campo de concentração de Jadwiga, que fugindo de acusações sobre cirurgias experimentais enquanto prisioneiro, muda-se com a esposa para Sarawak, na Malásia, onde passa quinze anos. Sarawak podia parecer um pedaço de terra pertencente a outro planeta, no entanto, foi o retorno a Inglaterra, depois de quinze anos, no início da década de 60, que realmente abalou a personagem, como um pedaço de terra repleto de gente pertencente a outra galáxia, e frente aos Picassos que moviam-se por Londres sofreu do mesmo espasmo, do mesmo choque cultural que sofreu Antony Burgess, que viu, sentiu, cheirou, relatou, mas provavelmente não entendeu.


No princípio tudo parecia como sempre, quando saltamos em Southampton. Penso que chorei durante toda a viagem para Londres. A cada quilômetro do caminho eu lembrava alguma coisa e minha tensão aumentava. Por fim chegamos. Minha primeira impressão foi a de que nada mudara em quinze anos.
Sim, havia alguns novos edifícios de apartamentos e uma nova estrada de duas vias levando a Londres, e ainda alguns prédios ultramodernos, principalmente no centro da cidade, onde as bombas haviam destruído tudo. Mas o antigo fora preservado. O palácio, a catedral, Piccadilly, Marble, Arch e a Bond Street, nada disso havia mudado.
Quando vi pela primeira vez aqueles jovens, foi-me impossível relacioná-los. Como se aquilo não fosse realmente Londres. Gente estranha de um mundo desconhecido para mim havia sido transplantada para a cidade. Alguma estranha revolução convulsiva acontecera. Sabe? Reconhece-se isto rapidamente na Inglaterra. Tudo era tão tranqüilo antes.
E olhe que fui enfermeira durante trinta anos, e portanto não me choco com facilidade. Isto sobre a nudez nas ruas. Em Sarawak a nudez acompanhava o calor e a cor dos nativos. Era tolice querer equacionar aquela gente com as pálidas figuras das jovens inglesas,na fria e calma Londres.
E os hábitos? Em Sarawak eles se baseavam nas tradições e no clima, mas aqui não tinham sentido algum. As botas altas de couro só faziam lembrar os sadistas dos bordéis franceses do século XVII, com seus chicotes terríveis. E as coxas brancas, azuladas de frio, a bainha do vestido cobrindo apenas as nádegas. O que nós estamos criando é uma geração de traseiros gelados e a futura história inglesa das hemorróidas. O mais ridículo de tudo são as imitações ordinárias de peles que nem chegam a cobrir-lhes os fundilhos. Com suas pernas finas e brancas saindo de dentro daqueles horrendos embrulhos cor-de-rosa e lilás, elas se parecem a ovos marcianos prestes a se abrir.
Em Sarawak, até o mais o mais primitivo iban penteia e prende o cabelo decentemente. A tentativa deliberada de desmazelo e enfeamento parece ser uma espécie de protesto contra a geração antiga. No entanto, querendo romper com o passado e proclamar sua individualidade, todos agora parecem saídos de uma única matriz.Os rapazes parecem meninas e as meninas são incrivelmente sem graça. Talvez queiram parecer feias por se sentirem feias e se disfarcem para não serem identificadas pelo sexo. Querem que tudo se torne absolutamente neutro.
As roupas extravagantes dos homens, calças com boca de sino, fitas, jóias falsas e veludo, me parecem gritos de socorro.
Adam conta que na clínica acontecem coisas que indicam um colapso total dos antigos valores morais. Eles confundem liberdade sexual com capacidade de dar e receber amor. E o mais triste de tudo é a ruptura da família. Adam me disse que o número de meninas grávidas atinge a uma porcentagem de cinco a seis por cento e a estatística sobre barbitúricos e uso de drogas é assustadora. Mais uma vez isto parece indicar uma necessidade de fugir para um mundo de fantasia, como os ibans costumam fazer nos tempos de tensão.
Não pude acreditar quando ouvi aquela música. Adam me disse que há casos de danos permanentes de audição. A poesia é distorcida e há uso de pornografia nas letras, que são menos coerentes de que as dos cantores ibans. O tom monótono e os recursos elétricos são tentativas adicionais de sufocar a realidade. E a dança parece uma exibição de loucos.
Isto será realmente Londres?
Tudo o que eu aprendi está sendo ridicularizado e não me parece que haja alguma coisa nova para substituir o que foi destruído. O pior de tudo é que esses homens não são felizes. Têm pensamentos abstratos sobre amor, bondade e paz, mas querem os benefícios da vida sem trabalho. Eles nos ridicularizam, mas nós os sustentamos. Não são muito leais uns com os outros e, se bem que a liberdade sexual seja amplamente divulgada, eles não conhecem o significado de ternura e de uma relação permanente.
Será que tudo isso pôde acontecer em quinze anos?
O desmoronamento de centenas de anos de civilização e tradição. Uma selva de barulhos estranhos e costumes diferentes. Só que o povo não é tão feliz quanto os ibans. Não há alegria, só desespero.

Angela Kelno
(personagem de QB VII – LEON URIS)

terça-feira, 10 de julho de 2012

UM HOMEM NÃO CHORA


Na calçada de frente para o bar um homem chorava.
As lágrimas que escorriam dos olhos paravam na barba
Grande, emaranhada e grisalha,
O que lhe dava a aparência de um mendigo que chora de pobreza
Ou de um sábio que chora por uma desilusão filosófica
(poderia ser os dois, visto que estava em frente ao bar).
Porém, não vi pobreza em seu rosto, e nem vi sabedoria.
Não vi copos ao seu redor. Não vi amigos.
Não vi o descaso no rosto de quem passava em frente.
Não vi ou ouvi risos do público. Não vi público.
Não vi nada dessas coisas que os poetas veem.
Vi apenas um homem de barba grande, emaranhada,
Que chorava na calçada de frente para o bar.

Um homem não chora!
Mas aquele senhor chorava e sem dúvida era um homem.
Um homem não chora, e é justamente essa máxima
Que torna o choro do homem o pranto mais triste.
As mulheres têm licença para chorar; e as crianças, o dever,
Mas um homem de barba grande, emaranhada e grisalha,
Sentado na calçada de frente para o bar não pode chorar.

Eu, fascinado, não quis imaginar razões para o que via,
Todo motivo é nobre quando se pretende prantear.
Mas que monstro existe no soluçar do homem
A ponto de haver uma moral proibição que o impede de chorar?
Descobri quando passava de frente para o bar
E vi mais do que tristeza em seu lacrimejar.
Ali havia desesperança, havia melancolia,
Mas havia também uma enorme dose de coragem.
Ali estava a rendição masculina.

Concluí que aquele homem chorava apenas pelo direito legítimo de um homem chorar.

Danilo del Monte

sexta-feira, 6 de julho de 2012

ÁGUAS QUE NUNCA PASSAM


Águas passadas que não movem moinhos
Ainda conseguem mover a minha vida.
Viajo com a correnteza incerta,
Atinjo nuvens e criptas com o esforço de um passo.

Tenho um desejo de sofrer martirizado,
De agonizar junto a tudo o que agoniza
E de ajoelhar-me implorando vida aos pés do carrasco,
E - claro - sair incólume da tortura,
Apenas porque o carrasco de outrora já padece em podridão
E o escravo ainda vive, tão lúcido quanto uma mãe.

Venero os versos nus que soluçam nos bordéis.
Venero os bailes de máscaras do salão principal.

Não quero ver tudo se partir e arrebentar.
Quem foi que disse que nosso cofre é limitado?
Também não pretendo andar como andam os adivinhos no Inferno
- nostálgicos, infelizes e vendo apenas o que já passou, disse o Poeta -

O passo da perna direita mantém a esquerda a sustentar,
E a perna que sustenta não me cativa menos do que a que se projeta.
Quero ter a vista ampla, ser capaz
De olhar de lado sem esquecer o que ficou para trás.
Lá atrás ainda há sorrisos, basta um olhar resgatador.
Lá de trás felicidade mútua chega a soluçar.

Quem foi que disse que deve a criatura padecer com o criador?
Quem foi que disse que deve morrer o velho para que o novo tenha espaço?

A morte é tão bela - mas tão bela - que se torna superestimada,
E o meu desejo sôfrego é o de contemplar o que já foi vivo, vivido e amado,
De ter um pouco mais de idade,
De ser sepultado por um pouco mais de História
E sentir nas costas o peso esmagador de tantos séculos que imploram.
Não é a vontade de enterrar meu próprio tempo que ainda mama e engatinha,
Mas sim o de conciliar os cabelos brancos com os pretos caídos sobre os ombros,
A esperança de ontem com a desilusão que nos resta hoje em dia
Para, quem sabe, contemplar um nascimento divino - e real -.

E se tudo fosse atemporal?

Danilo del Monte