terça-feira, 30 de outubro de 2012

ORWELL E O MUNDO EM 1984


“Ele provou que a literatura política pode ser uma arte”
Paulo Sérgio Pinheiro, Istoé, 24/09/1981




SOBRE O AUTOR E O PARALELO COM O MUNDO REAL:

1984, de George Orwell (pseudônimo de Erick Blair), foi publicado pela primeira vez no ano de 1949, e pode ser entendido como uma “profecia” pavorosa do autor para os anos futuros. O mundo traçado, embora exagerado, mantém os pés na realidade de um planeta que acabara de sair de seu período mais sombrio (a Segunda Guerra), e vislumbra uma divisão de nações em blocos, que foi impulsionada pela Guerra Fria. No entanto, se no mundo real as nações mais poderosas se odiavam em diplomacia, em 1984 a guerra é brutal é constante, cabendo muitas vezes reflexão se ela deveras acontecia, ou se tudo não passava de uma espécie manipulação, onde o cabia ao Estado, para efeito de controle, instaurar uma permanente ideia de conflitos onde jamais se teria uma derrota.


Como não existe no mundo obra que não traga à luz a ideologia de seu autor, 1984 explicita a visão política de George Orwell; ou melhor, reforça, pois está já havia ficado clara em livros anteriores. Este é, sobretudo, uma crítica profunda ao totalitarismo, não se resumindo ao comunismo, como é constante se pensar, embora o que se pode vislumbrar é que a Oceania possui elementos de governo característicos da esquerda.

O MUNDO POLÍTICO EM 1984:

Lestásia, Eurásia e Ocêania compõem as três potências políticas do planeta. Como pelo nome é de se supor e depois explicado por Emanuel Goldentein, inimigo público número 1, Lestásia é o bloco de países situados ao leste da Ásia; Eurásia, a união entre os Europeus continentais e os países mais ocidentais da Ásia; e Oceânia o bloco formado pelos países da América e pela Ilha Britânica, que se chama agora Pista nº 1, tendo Londres como capital.


A OCEANIA E SEU SISTEMA POLÍTICO:

“O Grande Irmão zela por ti” é a frase que se vê nos cartazes que estão em todo lugar. Um homem de aparência calma, bigodes escuros e espessos que escondem um sorriso enigmático fita nesses cartazes a todos os habitantes de Londres, da Pista nº 1 e da Oceania. O Grande Irmão é o líder do partido desde a revolução, desde a vitória do Ingsoc, que em antiglíngua, ou seja, na língua antiga (ou inglês tradicional) significa Socialismo Inglês. Conta-se que antes da Revolução os capitalistas andavam por Londres de cartolas e ternos ilustres, e que oprimiam o povo com suas injustiças e trabalho escravo. A visão de que o Partido é a luz em um mundo de trevas, e que não há vida fora do Ingsoc é incansavelmente difundida pelo Estado e acaba por convencer os cidadão, todos membros do Partido, Interno ou Externo, com exceção dos Proles.


A Oceania é governada basicamente por quatro ministérios, Miniver, Minimor, Minipaz e Minifarto, em anctilíngua, respectivamente, Ministério da Verdade, que cuida da mentira; Ministério do Amor, responsável pelo ódio; Ministério da Paz, que controla a guerra; e Ministério da Fartura, responsável pela fome. Apenas aqueles que cometeram crimes políticos, ou crimidéia e foram levados para os porões do Ministério do Amor podem dizer o que há dentro daquela pavorosa pirâmide que de longe se avista; só eles podem, mas não dizem, pois uma vez lá dentro, esquecem-se da antiga ideologia que o fizeram praticar o crimidéia e saem curados, agradecendo ao Partido pela percepção do que antes era obscuro. Em outras palavras, aprendem a amar o Grande Irmão.

Após qualquer Revolução, qualquer golpe de Estado, qualquer tomada de poder, há sempre que se manter sob o controle da situação para que não se inicie uma contrarrevolução. Este é o princípio básico de todo e qualquer regime totalitário já instalado no planeta, e a razão por que seus habitantes de uma forma ou de outra, são controlados. Na Oceania este controle é levado aos extremos, e tudo é feito para que seus habitantes amem o Grande Irmão. A vida pode ser difícil, mas antes da revolução era pior; pode ser sofrida, mas antes da revolução era pior; pode ser miserável e triste, mas antes da revolução era pior, e para que ninguém conteste que a Revolução, O Grande irmão e o Insoc vieram para iluminar aquela terra e dar paz aos seus cidadãos, a vigia é ininterrupta através de um Controle da Realidade, quem um novilíngua possui um termo específico e que é a base da sustentação do partido: duplipensar.


Os meios de controle da Oceania para com os seus cidadãos ultrapassam os limites da eficácia. Os equipamentos e os métodos que estão por trás do duplipensar são um dos segredos para o progresso do Estado. Vinte e quatro horas por dia homens e mulheres são vigiados por um aparelho denominado tele tela, que é uma espécie de televisão que nunca é desligada, que informa sobre as novas sempre positivas do Estado, suas vitórias das frentes te batalha na guerra contra a Eurásia; ou que a produção da Oceania tivera superávit, ou que O Grande Irmão tinha um recado importante para passar. Em todos os lugares, em todas as casas e estabelecimentos havia uma tele tela, de câmera e microfones ligados para captar qualquer sinal de subversão.
A transformação da língua é outra ferramenta eficaz de controle. A passagem de antilíngua (ou Inglês normal) para Novilíngua consiste em reduzir o dicionário, emendar e eliminar palavras, sinônimos, transformar a comunicação na mais básica possível. Como diz um dos criadores do dicionário em novilíngua, em breve o crimidéia será impossível porque não haverá palavra para o expressar.
A educação das crianças é um dos pilares fundamentais. Elas, que nasceram dentro da revolução e dentro dos princípios do Ingsoc foram educadas são as que mais juram lealdade ao Grande Irmão e odeiam com todas as suas fibras a Emanuel Goldenstein, à Eurásia, aos subversivos ou a qualquer outro inimigo do Partido. São as crianças que vigiam os pais a procura de qualquer ato, uma crimidéia qualquer para os denunciar, e os pais, ao saberem que foram denunciados pelos próprios filhos, orgulham-se destes pela lealdade ao Grande Irmão, e por os terem salvos da ideologia contrária.
No entanto, dentre todas as ferramentas usadas, dentro todos os métodos, nada é tão eficaz e necessário quanto o trabalho feito no Miniver. Ali se caracteriza da melhor forma o Duplipensar, é ali que a realidade é alterada dia após dia de acordo com a vontade e a necessidade do Partido. Se alguém, algum subversivo, algum criminoso fosse pego pelo Partido, pela tão temível Polícia do Pensamento, era simplesmente vaporizado. O termo é próprio, pois não se resume a simples execução, mas a um desaparecimento total do indivíduo. Seu corpo e suas ideias sumiam, assim como sumiam todos os registros que contivessem seu nome, e assim jornais antigos, fotografias, revistas e outros documentos eram alterados dia a dia, de modo que aquele indivíduo não havia desaparecido, mas sim nunca antes existido. Bem como as guerras, se amanhã a Oceania entrar em guerra com a Lestásia e não mais com a Eurásia, os documentos são alterados, bem como os discursos, e a Oceania nunca esteve em guerra com a Eurásia. Nunca.
Assim fica a população, jamais contesta o que lhe é dito, e não por medo, mas sim porque acredita fielmente no que é passado. Se o Grande Irmão diz que vivemos melhor, o Grande Irmão sabe. Se o partido afirma que nunca estivemos em guerra com a Eurásia e que aquela homem nunca existira, o Partido sabe. Os anúncios dados pela tele tela serviam para inflar os egos dos camaradas, e se de manhã se dizia que a produção de chocolates fora maior do que a do ano anterior, é certo que a tarde se diria que seria baixada a ração de chocolate de todos; mas ninguém atinava para a contradição. O duplipensar controlava a todos, dominava as mentes com cada vez menos palavras, cada vez menos ideia e cada vez menos perigo para o partido, mas como toda regra há exceção e todo sistema possui uma falha, existiam homens como Winston Smith.

                ENREDO E PERSONAGENS (SPOILLER):


Winston Smith era um membro do partido externo, vivia como todos os outros camaradas uma vida pacata e de mentiras. Trabalhava no Ministério da Verdade alterando os documentos necessários, refazendo a história, exercendo o duplipensar. No entanto, os membros do Partido Externo não tinha noção do que acontecia, os trabalhos chegavam à Winston com a devida diretriz de alteração, mas o motivo dito era simplesmente “correção de uma informação errada”.

Winston não tinha sequer certeza de que o ano era 1984. Devia ser. Na monotonia de todo dia perde-se a noção do tempo. Mas diziam que era 1984, então por que não crer? Dentre os camaradas da Oceania, destacava-se por uma perspicácia rara, embora sempre escondida porque em toda parte poderiam haver policiais da Polícia do Pensamento, microfones escondidos ou uma tele tela. Indagava dentro de si se deveras a Oceania estaria melhor do que no tempo das cartolas, se o Grande Irmão realmente existia, se envelhecia, e julgava lembrar que antes da Eurásia, a Oceania estava em guerra com a Lestásia, e antes desta novamente Eurásia. Parecia ser o único com tais reflexões, o único a perceber que os anúncios diziam que a produção de sapatos bateu recorde, mas que a população continuava descalça. Se pudesse fazer algo, fazer as pessoas entenderem e todo o sistema mudar...
Dentro da repartição que trabalhava existia um homem, a julgar de escalão superior, chamado O’Brien, com quem Winston uma vez sonhara que era também uma ovelha desgarrada do rebanho do Ingsoc, um homem com quem pudesse contar num mundo onde não havia trevas. A prudência e o medo impossibilitavam a aproximação dos dois, O’Brien podia ser um membro do Partido Interno, ou um elemento da Polícia do Pensamento, quem garante? Só o que Winston tinha de O’Brien era um sonho e um olhar, coisa muito vaga e sem nenhuma relevância.
Júlia aparece na história como a maior desconfiança de Winston Smith. Ele a julgara a princípio um membro do Partido Interno encarregada de observá-lo. Pensou em matá-la com um paralelepípedo na cabeça. Um dia, quando ambos caminhavam em sentidos opostos e na mesma direção, em um dos corredores do Miniver, Júlia tropeça e cai, o que obriga Winston Smith a ajudá-la. Ela agradece, vai embora e Winston percebe que há um pequeno pedaço de papel em sua mão. Como abri-lo? Havia tele telas por todo lugar. Foi à sua repartição, sentou-se no posto de trabalho e puxou o papel como fosse parte de suas tarefas. Quando o abriu, muito rápido, pôde ler: EU TE AMO. E jogou o papel no tubo pneumático que incinerava as coisas.
Winston e Júlia conseguiram se aproximar graças à esperteza dela. Se Winston tinha perspicácia, ela tina malandragem e conhecia as rotas para escapar dos microfones e das tele telas, afinal, o sexo era também sujeira aos olhos do Partido, permitido apenas aos casados e não como forma de prazer, mas de cumprir o dever para com o partido. No entanto, a rebeldia de Júlia era da cintura para baixo, e nem mesmo ela se lembrava de que antes da Eurásia, a Oceania estava em guerra com e Lestásia, e antes com a Eurásia, nem mesmo atinava para as manipulações do Partido. Apenas vivia. Winston pôde pouco a pouco introduzir na cabeça de Júlia as ideias e percepções que tinha, e em um de seus encontros, falou à ela sobre O’Brien, o homem que julgava poder contar, um homem a se encontrar onde não teria trevas.
Pálidos de medo, mas com a coragem que as ideias fixas fazem nascer no indivíduo, Winston e Julia vão ter com O’Brien, e este lhes entende, e para surpresa do casal, desliga a tele tela. O’Brien expõe que aquele é um recurso permitido somente aos membros do Partido Interno, e que embora faça parte dele, está ao lado de Emanuel Goldenstein para mudar o sistema. O Livro de Goldeinstein é dado á Winston por O’Brien, pois nele está a verdade, nele está a luz e o conhecimento do funcionamento do Partido e como o combater. O exemplar é único.
O erro fatal do casal está no aluguel de um pequeno quarto no bairro dos proles, onde raramente havia policias, porque afinal, como se dizia, os proles não eram gente. E enquanto Winston lia o livro em voz alta e Julia dormia, ambos nus, uma voz estridente e metálica ecoa por detrás de um quadro. Ambos sobressaltam-se, o quadro cai e ali se revela uma  tele tela. O dono do quarto em seguida sobe correndo, posta-se perante os dois, e o ancião simpático dono da mercearia se revela, para espanto de Winston que nunca na vida havia visto, um membro da Polícia do Pensamento. Winston e Júlia são levados e não mais haveriam de se encontrar.
Winston está em algum lugar sem janelas que julga ser um dos porões do Ministério do Amor. Ali ele é interrogado e ali começa o seu processo de cura. Quem interroga e tortura Winston é O’Brien, e ali tudo fica as claras. A manipulação, o jogo de interesse, o como e o por quê, quando nas palavras de O’Brien Winston percebe de que o Partido quer o poder simplesmente porque quer. Ninguém ama, ninguém odeia o poder, apenas deseja tê-lo. No entanto, para que o torturado se esqueça de tudo o que viu, de tudo o que viveu e idealizou, o processo é de choque físico e psicológico, e sendo Winston um caso extremado, é levado à sala 101, onde há a pior coisa do mundo.
Winston Smith e Júlia se encontram muito tempo depois, casualmente, em uma lanchonete. Sentam-se um de frente para o outro, mas mal se reconhecem. Em uníssono, admitem: EU TE TRAÍ. Mas isso já não tem importância, Winston está agora preocupado com a guerra contra a Eurásia, a guerra que sempre foi contra a Eurásia e com os caminhos que a Oceania está tomando, orgulhoso de pertencer àquela nação de camaradas e de estar dentro do Ingsoc. Winston Smith aprendera a amar o Grande Irmão.
Danilo del Monte

·         Curiosidade: O universo de 1984 onde as pessoas são vigiadas vinte e quatro horas por dia e postas à prova sua lealdade ao Grande Irmão inspirou o programa de televisão Big Brother.

2 comentários:

  1. Parabéns. A melhor resenha do livro que eu já li. Bem detalhada e sem ter aquele tom chato de tese de phd. Meus parabéns!

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  2. É Del Monte graças a minha folga você fez essa resenha. Rsrsrs

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