“Ele provou que a
literatura política pode ser uma arte”
Paulo Sérgio Pinheiro, Istoé, 24/09/1981
Paulo Sérgio Pinheiro, Istoé, 24/09/1981
SOBRE O AUTOR E O PARALELO COM O MUNDO REAL:
1984, de
George Orwell (pseudônimo de Erick Blair), foi publicado pela primeira vez no ano de 1949, e pode ser
entendido como uma “profecia” pavorosa do autor para os anos futuros. O mundo
traçado, embora exagerado, mantém os pés na realidade de um planeta que acabara
de sair de seu período mais sombrio (a Segunda Guerra), e vislumbra uma divisão
de nações em blocos, que foi impulsionada pela Guerra Fria. No entanto, se no
mundo real as nações mais poderosas se odiavam em diplomacia, em 1984 a guerra é brutal é constante,
cabendo muitas vezes reflexão se ela deveras acontecia, ou se tudo não passava
de uma espécie manipulação, onde o cabia ao Estado, para efeito de controle,
instaurar uma permanente ideia de conflitos onde jamais se teria uma derrota.
Como não existe no mundo obra que não traga à luz a
ideologia de seu autor, 1984 explicita
a visão política de George Orwell; ou melhor, reforça, pois está já havia
ficado clara em livros anteriores. Este é, sobretudo, uma crítica profunda ao
totalitarismo, não se resumindo ao comunismo, como é constante se pensar,
embora o que se pode vislumbrar é que a Oceania possui elementos de governo
característicos da esquerda.
O MUNDO POLÍTICO EM 1984:
Lestásia, Eurásia e Ocêania compõem as três potências políticas do planeta.
Como pelo nome é de se supor e depois explicado por Emanuel Goldentein, inimigo público número 1, Lestásia é o bloco de
países situados ao leste da Ásia; Eurásia, a união entre os Europeus
continentais e os países mais ocidentais da Ásia; e Oceânia o bloco formado
pelos países da América e pela Ilha Britânica, que se chama agora Pista nº 1,
tendo Londres como capital.
A OCEANIA E SEU
SISTEMA POLÍTICO:
“O Grande Irmão zela por ti” é a frase que se vê nos cartazes que estão em
todo lugar. Um homem de aparência calma, bigodes escuros e espessos que
escondem um sorriso enigmático fita nesses cartazes a todos os habitantes de Londres, da Pista nº 1 e da Oceania. O Grande Irmão é o líder do partido desde a
revolução, desde a vitória do Ingsoc, que em antiglíngua, ou seja, na língua antiga (ou inglês tradicional)
significa Socialismo Inglês. Conta-se que antes da Revolução os capitalistas
andavam por Londres de cartolas e ternos ilustres, e que oprimiam o povo com
suas injustiças e trabalho escravo. A visão de que o Partido é a luz em um
mundo de trevas, e que não há vida fora do Ingsoc
é incansavelmente difundida pelo Estado e acaba por convencer os cidadão,
todos membros do Partido, Interno ou Externo, com exceção dos Proles.
A Oceania é governada basicamente por quatro ministérios,
Miniver, Minimor, Minipaz e Minifarto, em anctilíngua, respectivamente,
Ministério da Verdade, que cuida da mentira; Ministério do Amor, responsável
pelo ódio; Ministério da Paz, que controla a guerra; e Ministério da Fartura,
responsável pela fome. Apenas aqueles que cometeram crimes políticos, ou crimidéia e foram levados para os porões
do Ministério do Amor podem dizer o que há dentro daquela pavorosa pirâmide que
de longe se avista; só eles podem, mas não dizem, pois uma vez lá dentro,
esquecem-se da antiga ideologia que o fizeram praticar o crimidéia e saem curados,
agradecendo ao Partido pela percepção do que antes era obscuro. Em outras
palavras, aprendem a amar o Grande Irmão.
Após qualquer Revolução, qualquer golpe de Estado, qualquer tomada de poder, há
sempre que se manter sob o controle da situação para que não se inicie uma
contrarrevolução. Este é o princípio básico de todo e qualquer regime
totalitário já instalado no planeta, e a razão por que seus habitantes de uma
forma ou de outra, são controlados. Na Oceania este controle é levado aos
extremos, e tudo é feito para que seus habitantes amem o Grande Irmão. A vida
pode ser difícil, mas antes da revolução era pior; pode ser sofrida, mas antes
da revolução era pior; pode ser miserável e triste, mas antes da revolução era
pior, e para que ninguém conteste que a Revolução, O Grande irmão e o Insoc
vieram para iluminar aquela terra e dar paz aos seus cidadãos, a vigia é
ininterrupta através de um Controle da Realidade, quem um novilíngua possui um termo específico e que é a base da sustentação
do partido: duplipensar.
Os meios de controle da Oceania para com os seus cidadãos
ultrapassam os limites da eficácia. Os equipamentos e os métodos que estão por
trás do duplipensar são um dos
segredos para o progresso do Estado. Vinte e quatro horas por dia homens e
mulheres são vigiados por um aparelho denominado tele tela, que é uma espécie de televisão que nunca é desligada,
que informa sobre as novas sempre positivas do Estado, suas vitórias das
frentes te batalha na guerra contra a Eurásia; ou que a produção da Oceania
tivera superávit, ou que O Grande Irmão tinha um recado importante para passar.
Em todos os lugares, em todas as casas e estabelecimentos havia uma tele tela, de câmera e microfones
ligados para captar qualquer sinal de subversão.
A transformação da língua é outra
ferramenta eficaz de controle. A passagem de antilíngua (ou Inglês normal) para Novilíngua consiste em reduzir o dicionário, emendar e eliminar
palavras, sinônimos, transformar a comunicação na mais básica possível. Como
diz um dos criadores do dicionário em novilíngua, em breve o crimidéia será
impossível porque não haverá palavra para o expressar.
A educação das crianças é um dos
pilares fundamentais. Elas, que nasceram dentro da revolução e dentro dos
princípios do Ingsoc foram educadas
são as que mais juram lealdade ao Grande Irmão e odeiam com todas as suas
fibras a Emanuel Goldenstein, à Eurásia, aos subversivos ou a qualquer outro
inimigo do Partido. São as crianças que vigiam os pais a procura de qualquer
ato, uma crimidéia qualquer para os
denunciar, e os pais, ao saberem que foram denunciados pelos próprios filhos,
orgulham-se destes pela lealdade ao Grande Irmão, e por os terem salvos da
ideologia contrária.
No entanto, dentre todas as
ferramentas usadas, dentro todos os métodos, nada é tão eficaz e necessário
quanto o trabalho feito no Miniver. Ali
se caracteriza da melhor forma o Duplipensar,
é ali que a realidade é alterada dia após dia de acordo com a vontade e a
necessidade do Partido. Se alguém, algum subversivo, algum criminoso fosse pego
pelo Partido, pela tão temível Polícia do Pensamento, era simplesmente vaporizado. O termo é próprio, pois não
se resume a simples execução, mas a um desaparecimento total do indivíduo. Seu
corpo e suas ideias sumiam, assim como sumiam todos os registros que
contivessem seu nome, e assim jornais antigos, fotografias, revistas e outros
documentos eram alterados dia a dia, de modo que aquele indivíduo não havia
desaparecido, mas sim nunca antes existido. Bem como as guerras, se amanhã a
Oceania entrar em guerra com a Lestásia e não mais com a Eurásia, os documentos
são alterados, bem como os discursos, e a Oceania nunca esteve em guerra com a
Eurásia. Nunca.
Assim fica a população, jamais
contesta o que lhe é dito, e não por medo, mas sim porque acredita fielmente no
que é passado. Se o Grande Irmão diz que vivemos melhor, o Grande Irmão sabe.
Se o partido afirma que nunca estivemos em guerra com a Eurásia e que aquela
homem nunca existira, o Partido sabe. Os anúncios dados pela tele tela serviam para inflar os egos dos
camaradas, e se de manhã se dizia que a produção de chocolates fora maior do
que a do ano anterior, é certo que a tarde se diria que seria baixada a ração
de chocolate de todos; mas ninguém atinava para a contradição. O duplipensar controlava a todos, dominava
as mentes com cada vez menos palavras, cada vez menos ideia e cada vez menos
perigo para o partido, mas como toda regra há exceção e todo sistema possui uma
falha, existiam homens como Winston Smith.
ENREDO E PERSONAGENS (SPOILLER):
Winston Smith era um membro do partido externo, vivia como todos os outros
camaradas uma vida pacata e de mentiras. Trabalhava no Ministério da Verdade
alterando os documentos necessários, refazendo a história, exercendo o duplipensar. No entanto, os membros do
Partido Externo não tinha noção do que acontecia, os trabalhos chegavam à
Winston com a devida diretriz de alteração, mas o motivo dito era simplesmente
“correção de uma informação errada”.
Winston não tinha sequer certeza
de que o ano era 1984. Devia ser. Na monotonia de todo dia perde-se a noção do
tempo. Mas diziam que era 1984, então por que não crer? Dentre os camaradas da
Oceania, destacava-se por uma perspicácia rara, embora sempre escondida porque
em toda parte poderiam haver policiais da Polícia do Pensamento, microfones
escondidos ou uma tele tela. Indagava
dentro de si se deveras a Oceania estaria melhor do que no tempo das cartolas,
se o Grande Irmão realmente existia, se envelhecia, e julgava lembrar que antes
da Eurásia, a Oceania estava em guerra com a Lestásia, e antes desta novamente Eurásia.
Parecia ser o único com tais reflexões, o único a perceber que os anúncios
diziam que a produção de sapatos bateu recorde, mas que a população continuava
descalça. Se pudesse fazer algo, fazer as pessoas entenderem e todo o sistema
mudar...
Dentro da repartição que
trabalhava existia um homem, a julgar de escalão superior, chamado O’Brien, com
quem Winston uma vez sonhara que era também uma ovelha desgarrada do rebanho do Ingsoc, um homem com quem pudesse contar
num mundo onde não havia trevas. A prudência e o medo impossibilitavam a
aproximação dos dois, O’Brien podia ser um membro do Partido Interno, ou um
elemento da Polícia do Pensamento, quem garante? Só o que Winston tinha de
O’Brien era um sonho e um olhar, coisa muito vaga e sem nenhuma relevância.
Júlia aparece na história como a maior desconfiança de Winston Smith.
Ele a julgara a princípio um membro do Partido Interno encarregada de
observá-lo. Pensou em matá-la com um paralelepípedo na cabeça. Um dia, quando
ambos caminhavam em sentidos opostos e na mesma direção, em um dos corredores
do Miniver, Júlia tropeça e cai, o
que obriga Winston Smith a ajudá-la. Ela agradece, vai embora e Winston percebe
que há um pequeno pedaço de papel em sua mão. Como abri-lo? Havia tele telas por todo lugar. Foi à sua
repartição, sentou-se no posto de trabalho e puxou o papel como fosse parte de
suas tarefas. Quando o abriu, muito rápido, pôde ler: EU TE AMO. E jogou o papel no tubo
pneumático que incinerava as coisas.
Winston e Júlia conseguiram se
aproximar graças à esperteza dela. Se Winston tinha perspicácia, ela tina
malandragem e conhecia as rotas para escapar dos microfones e das tele telas, afinal, o sexo era também
sujeira aos olhos do Partido, permitido apenas aos casados e não como forma de
prazer, mas de cumprir o dever para com o
partido. No entanto, a rebeldia de Júlia era da cintura para baixo, e nem
mesmo ela se lembrava de que antes da Eurásia, a Oceania estava em guerra com e
Lestásia, e antes com a Eurásia, nem mesmo atinava para as manipulações do Partido. Apenas vivia. Winston pôde pouco a pouco introduzir na cabeça de Júlia as ideias e
percepções que tinha, e em um de seus encontros, falou à ela sobre O’Brien, o
homem que julgava poder contar, um homem a se encontrar onde não teria trevas.
Pálidos de medo, mas com a coragem
que as ideias fixas fazem nascer no indivíduo, Winston e Julia vão ter com
O’Brien, e este lhes entende, e para surpresa do casal, desliga a tele tela.
O’Brien expõe que aquele é um recurso permitido somente aos membros do Partido
Interno, e que embora faça parte dele, está ao lado de Emanuel Goldenstein para
mudar o sistema. O Livro de Goldeinstein é dado á Winston por O’Brien, pois
nele está a verdade, nele está a luz e o conhecimento do funcionamento do
Partido e como o combater. O exemplar é único.
O erro fatal do casal está no aluguel de um pequeno quarto no bairro dos proles, onde raramente havia policias, porque afinal, como
se dizia, os proles não eram gente. E enquanto Winston lia o livro em voz alta
e Julia dormia, ambos nus, uma voz estridente e metálica ecoa por detrás de um
quadro. Ambos sobressaltam-se, o quadro cai e ali se revela uma tele
tela. O dono do quarto em seguida sobe correndo, posta-se perante os dois,
e o ancião simpático dono da mercearia se revela, para espanto de Winston que
nunca na vida havia visto, um membro da Polícia do Pensamento. Winston e Júlia
são levados e não mais haveriam de se encontrar.
Winston está em algum lugar sem
janelas que julga ser um dos porões do Ministério do Amor. Ali ele é
interrogado e ali começa o seu processo de cura.
Quem interroga e tortura Winston é O’Brien, e ali tudo fica as claras. A
manipulação, o jogo de interesse, o como e o por quê, quando nas palavras de
O’Brien Winston percebe de que o Partido quer o poder simplesmente porque quer.
Ninguém ama, ninguém odeia o poder, apenas deseja tê-lo. No entanto, para que o
torturado se esqueça de tudo o que viu, de tudo o que viveu e idealizou, o
processo é de choque físico e psicológico, e sendo Winston um caso extremado, é
levado à sala 101, onde há a pior coisa do mundo.
Winston Smith e Júlia se encontram
muito tempo depois, casualmente, em uma lanchonete. Sentam-se um de frente para
o outro, mas mal se reconhecem. Em uníssono, admitem: EU TE TRAÍ. Mas isso já
não tem importância, Winston está agora preocupado com a guerra contra a
Eurásia, a guerra que sempre foi contra a Eurásia e com os caminhos que a
Oceania está tomando, orgulhoso de pertencer àquela nação de camaradas e de
estar dentro do Ingsoc. Winston Smith
aprendera a amar o Grande Irmão.
Danilo del Monte
·
Curiosidade:
O universo de 1984 onde as
pessoas são vigiadas vinte e quatro horas por dia e postas à prova sua lealdade
ao Grande Irmão inspirou o programa de televisão Big Brother.
Parabéns. A melhor resenha do livro que eu já li. Bem detalhada e sem ter aquele tom chato de tese de phd. Meus parabéns!
ResponderExcluirÉ Del Monte graças a minha folga você fez essa resenha. Rsrsrs
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