quinta-feira, 28 de agosto de 2014

DUAS FACES



Tinha um rosto
- olhos abertos, nariz e boca -
E tenho certeza que poderia sorrir
Se assim permitisse sua profissão.
Tinha um rosto
- olhos cerrados, nariz e boca -
E não poderia mudar de expressão
Nem com toda a força do desejo.

Na complexidade deste mal estar,
Tentei ser imparcial e frio
Como a vida que cruelmente nos foi emprestada.
Não consegui.
Sendo puxado pela serenidade do aflito
E pela perturbação da frígida,
Sucumbi,
Perdi o maravilhoso senso de lucidez
E ainda agora procuro me levantar da terra.

Mas e então,
Entre esses dois que se ofenderam tanto,
Que tanto fugiram um do outro,
Que tanto se evitaram
E que agora parecem se amar,
Como será a convivência?
Não há riscos e nem faltas.
Não há erros e nem medos.
Não há.

E no fim,
Como quem se sente obrigada
A uma frase de efeito para encerrar a trama,
Ergue os braços, abre os olhos que nunca fechou
E balbucia:
“Agora que me vistes, jamais esquecerás de mim; E ainda que fujas, ainda que chores, toda e qualquer referência da tua vida trair-te-á em benefício meu. É só uma questão de tempo.” 

Danilo del Monte