sábado, 3 de janeiro de 2015

ÓLEO SOBRE TELA



Não sei por que me perturbam tanto
Esses olhos arregalados,
Essas bocas cerradas e essas expressões vazias.
São rostos ou são máscaras?
- Rostos ou máscaras, pelo amor de deus? -
Sinto como se a multidão, com seu lento caminhar,
Fosse me atropelar na calçada no parlamento norueguês.
Sapatos ou botas de couro,
Largos ou estreitos, com saltos ou não,
Engraxados ou sujos de lama,
Todos me passam sobre o peito cancrado
Como o desfile de carnaval do sanatório.
Não sei precisar se há dor física nesta tragédia
Ou se não passa, tudo isso,
De uma melancolia tão vazia
Quantos as expressões que logram me atropelar
Na calçada no prédio do parlamento norueguês.

Na verdade, não importa.
Estamos salvos porque existe do outro lado,
Caminhando em sentido contrário,
um solitário transeunte, talvez cabisbaixo – não se sabe -
e provavelmente triste. Por deus,
Como é bom que esteja triste. Estamos salvos.
Logo ali existe um homem capaz de sentir,
Ali, cambaleando pelo meio da rua,
Um homem capaz de se machucar com tudo e tudo expressar.
Quem pode negar que este viandante ouve
- neste exato momento -
O repertório limitado de seu próprio caminhar?

Mas, cruzes,
Esses passantes da calçada do parlamento norueguês,
Com seus olhos arregalados, bocas cerradas e expressões vazias,
Quase o levam à loucura. Vigiam-no.

Nosso homem,
Aquele que anda cabisbaixo em sentido contrário,
Pode sentir os olhares da multidão,
Apercebe-se de que está sendo fitado de forma estranha,
E desconfia que aqueles olhos arregalados
São capazes de adentrar sua cabeça
E fazê-lo reconsiderar tudo o que havia cravado como verdadeiro em sua vida.
Vasculham meias certezas, vestígios de ideias
E demônios escondidos atrás das colunas da imaginação.
Que sensação estranha que o acomete.
Que sensação incômoda de, do dia para a noite,
Sentir que não há senão espaços vazios em sua cabeça,
De imaginar que todo o conteúdo de sua mente
Esvaiu-se como a vida selvagem de um território
Que de repente se tornou inóspito. Que pavor...

E então temos o grito...
Um só, apenas um grito,
Infindável, dolente e aflito.
Um grito interminável e ensurdecedor
- embora inaudível -
Um grito visual.
Os homens da calçada do parlamento norueguês,
Com seus olhos arregalados e bocas cerradas,
Jamais poderão gritar.

Danilo del Monte

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