domingo, 27 de setembro de 2015

NÃO GOSTO DE VOCÊ

Eu não gosto de você.
Não abriria mão da minha vida por você,
Não deixaria de olhar os transeuntes na praça,
E nem seria jamais uma extensão do teu ser.

Eu até gosto de você,
Mas não tanto quanto gosto de tomar café pela manhã.
Não gosto de você como gosto de cantar,
De me exiliar por completo de minha lucidez
Ou de repassar as páginas de um romance do século XIX.

Como deve ser triste – ser – você.
Como deve ser triste condenar o suicídio cotidiano,
Ignorando que o fanatismo pela vida é também uma forma de se matar.
Por nada na vida eu seria uma parte de você.

Sim, eu gosto de você,
Mas não tanto quanto gosto dormir com as primeiras horas de sol,
Não como gosto de descobrir um disco novo
Ou de captar um detalhe perdido na tela que ninguém percebeu.
Gosto de me inclinar na janela em dia de chuva.
Gosto de comemorar um gol e praguejar a bola na trave,
Gosto de escolher o caminho mais longo
O bar menos elegante,
A vida mais delicada.
Gosto de andar refletindo na minha humilhação
– muito mais do que gosto de você –

Só que eu realmente gosto de você,
Mas eu também gosto de mim – e do que fiz comigo, gosto também –
Te deixo em reserva, em estado de espera,
Para que me salve quando eu não mais me pertencer,
Quando eu não puder mais sentir minha agonia,
Quando eu não gostar mais de mim e das pulsações que norteiam minha visão.

E só então, por assim dizer,
Eu – por entrega – serei
Você.

Danilo del Monte

imagem: David Parks Photography.