quarta-feira, 23 de março de 2011

FRASES QUE CIRCULAM POR AÍ

Na angústia de todos os dias
Ouve-se e eco das frases que ressoam por aí,
Sentenças criadas por poetas, filósofos e comuns.
Quem pode dizer que o filósofo se equivocou
Se na filosofia o certo e o errado são conceitos inexistentes?
Quem vai condenar o poeta cuja única virtude
É criar versos dementes que dizem não dizendo e maltratam enquanto tratam?
E o que se pode dizer do popular?
Nada! Pela ignorância demosntrada
São eles os mais sábios
E tal sabedoria anula o julgamento
De qualquer ignorante como eu.

E quanto as frases que circulam por aí?
Sim, as frases...
Seja poeta ou filósofo (pois qualquer um pode ser filósofo ou poeta)
As frases são ditas pelos ignorantes mais sábios
E são desprovidas de qualquer vírgula de verdade.
É bem verdade que se fossem verdade não seriam ditas
Com tanto gosto a tantos ventos.
E aí, quem sabe, está a suprema sabedoria.

Pessoas que ignoram a condição e soberania humana
São pessoas que creem, acima de tudo, na fraqueza
E pela fraqueza se justificam
E para se justificarem, justificam os outros.
São inocentes ovelhas guiadas pelo pastor de cajado de ouro,
São pessoas simples e felizes
E por serem felizes e simples se tornam carentes
E por serem carentes, aceitam de bom coração e acreditam
Nas malditas frases que circulam por aí.
Ignorantes por não saberem, sequer desconfiarem.
Extremamente sábios porque são felizes.
São a mãe, o pai e o filho das frases que circulam por aí.
São os passageiros de um trem de luz imaginário
Que viaja ao galpão de onde nunca sairá.
Pessoas esperançosas demais, mas que jamais sofrerão a desilusão de tal esperança
Porque não haverá realidade em que se concretize o fato.
Vivem sábios ignorantes e morrerão ignorantes e sábios demais.

Eu, que tenho ciênica das letras que formulam as frases que circulam por aí
E sei do motivo por que circulam e se dizem essas frases,
Não sou mais sábio do que eles que não sabem.

São eles, os sábios que não sabem, as pessoas que acreditam na justiça.
As pessoas que se entregam em mãos invisíveis e feitas de gelatina.
São as pessoas que ajoelham na praça central da cidade,
Como que esmagadas por alguma culpa que sequer existe lembrança.
São as pessoas que se esquecem de viver a vida inicial e derradeira.
São pessoas que se negam a ver o que está exposto na parede,
E crêem que subirão pelas paredes
E deveras sobem. Sem sair da cama, sobem.

Eu não posso condenar as pessoas que confortam as pessoas
Com mentiras criadas em laboratórios vazios,
Mas nos meus dias mais sublimes eu reprendo em pensamentos
As pessoas que mentem para as pessoas
E também as pessoas que aceitam as mentiras das pessoas.
Mas há dias em que acordo e não saio da cama.
Nesses dias eu aplaudo e invejo as pessoas que ouvem as mentiras.
Por vezes me pego imitando as pessoas que contam as mentiras.

As pessoas que convivem com as mentiras são felizes
Por serem ignorantes e são sábias por serem felizes.
Isso já basta.

Mas eu continuo pensando nas frases que circulam por aí.

Danilo del Monte


segunda-feira, 21 de março de 2011

MILLER E SEU TRÓPICO DE CÂNCER

Muito cuidado ao ter nas mãos “Trópico de Câncer”, a obra prima de Henry Miller, pois o que terá em sua frente não é um livro, mas uma bomba. Suas letras não denunciam apenas o autor, ou o mundo moderno, ou a condição ou esperança humana, mas denuncia também quem as lê, de modo que a bomba em suas mãos pode explodir dentro ou fora de sua cabeça.

A narrativa em primeira pessoa se desenrola na Paris boêmia do início do século XX, onde as prioridades da vida são o sexo e a arte, e assim, junto com o personagem, o leitor rola na cama das meretrizes baratas, dorme nas pensões em deplorável estado, passa fome com os artistas e se embriaga nas tabernas imundas. Mas com a liberdade de se viver na boemia, começa a haver na cabeça do autor, do personagem e do leitor, que andam de mãos dadas o tempo todo, a total desilusão da vida e de tudo que ela é composta ao abrir os olhos para a realidade. A humanidade parece de repente carente de algo que sequer conhece ou que pode, se alcançado, vir a decepcionar.

. No meridiano do tempo não há justiça: há apenas a poesia do movimento criando a ilusão de verdade e drama. Se a qualquer momento e em qualquer lugar encararmos frente a frente o absoluto, desaparece aquela grande simpatia que fez homens como Gautama e Jesus parecerem divinos”

Miller nasceu em Nova York no ano de 1891, fez parte do rol de artistas que foram despejar a vida nos botecos de Paris entre os anos 1920-1930 e experimentou o grande alvedrio entre artes, garrafas e libertinagem. Suas narrativas continham uma liberdade de linguagem desconcertante, que denunciava o mundo moderno, suas obsessões e fraquezas. Faleceu em 1980, na cidade de Los Angeles.

“Trópico de Câncer” foi publicado pela primeira vez em 1934 e logo foi acusado de pornográfico e obsceno, ficando proibido nos EUA até o ano de 1961. Hoje, sua leitura, apesar de permitida, ainda causa certo desconforto e náusea, é como receber, sem esperar, uma pancada na consciência que deixará seqüelas até o fim da vida.


Trecho de Trópico de Câncer:

... o monstruoso não é que homens tenham criado rosas com este monte de esterco, mas que, por uma ou outra razão, tenha desejado rosas. Por uma ou outra razão o homem procura o milagre e, para realizá-lo, chafurda no sangue. Corrompe-se com idéias, reduz-se a uma sombra, se por um único segundo de sua vida fecha os olhos à hediondez da realidade. Tudo se suporta, desgraça, humilhação, pobreza, guerra, crime, ennui – na crença de que, da noite para o dia, algo acontecerá, um milagre, que tornará a vida tolerável. E durante todo o tempo um mediador está correndo lá dentro e não há mão que possa alcançá-lo lá e fazê-lo parar. Durante todo o tempo alguém está comendo o pão da vida e bebendo o vinho, algum padre sujo e gordo como uma barata que se esconde na adega para emborcá-lo, enquanto lá em cima, na luz da rua, uma hóstia fantástica toca os lábios, e o sangue é pálido como a água. E do interminável tormento e miséria, nenhum milagre surge, nenhum vestígio microscópico sequer de alívio. Só idéias, pálidas, e atenuadas idéias que precisam ser engordadas por carnificina; idéias que saem como bílis, como as entranhas de um porco quando se abre a carcaça.
                E assim penso que milagre não seria se este milagre que o homem espera eternamente, nada mais viesse a ser do que aqueles dois enormes troços que o fiel discípulo lançou no bidê. Se no último momento, quando a mesa do banquete estiver arrumada e os címbalos soarem, aparecer de repente e absolutamente sem aviso, nada mais nada menos que dois enormes montes de bosta. Isso, creio eu, seria mais milagroso do que tudo quanto o homem tem esperado. Seria milagroso porque seria o não sonhado. Seria mais milagroso do que o sonho mais louco porque qualquer um podia imaginar a possibilidade, mas ninguém jamais a imaginou, e provavelmente ninguém jamais a imaginará.




sábado, 12 de março de 2011

DEVANEIOS OU NÃO

Como se a cabeça atravessasse a estratosfera
Com os pés ainda firmes, cravados no chão
Ou como se o coração que habita a fera
Esquecesse o corpo fera ao cair em comoção.

É como se o corpo não saísse de uma esfera
E a mente se afundasse na cratera de um vulcão.
O devaneio ou alucinação é mera intervenção
Da arte que, com razão, da razão se apodera.

Da quimera que quando vem ao chão se parte
Se ergue a dolorosa visão que pesa e mata
E a própria vida surge e à quimera desacata.

É o que não se ata - e se atado não desata -
E por ser ingrata a vida que de tudo toma parte
Os pés choram pela terra e cabeça ri-se em arte.

Danilo del Monte

quarta-feira, 9 de março de 2011

QUARTA-FEIRA, JOSÉ



Anda, José,

Desmancha o cenário
E embola a serpentina.
Olha o calendário, José,
Diz tchau à Colombina.

Assim não devia,
Mas assim a vida é.
Quarta-feira, José,
Sorrindo ao contrário
Limpa toda purpurina.

Tua bandeira desmanchou,
A multidão se dissipou
E virou cimento teu cetim.
Guarda isso que o Pierrot
Já desconhece o Arlequim,
Que desconhece a tua dor.

José, atenção para o horário,
Se apressa que o trem vai apitar.
Não há mais que se fantasiar,
A máscara se enterra no armário
E o sol escapa da cortina.

Olha o salário, José,

Esquece a Colombina.


Danilo del Monte