domingo, 30 de setembro de 2012

DAS FARSAS


Das farsas, creio, sou a mais sincera,
Contribuo para ser desmascarado.
Finjo-me sensato ao ser apaixonado,
Tinjo-me homem quando sou quimera.

Furtivo, tenho um coração que espera
Paciente ao bater descompassado,
E antes mesmo de estar sentenciado
Enternece com as cores da aquarela.

Só mesmo cego pra fugir das cores.
Só mesmo surdo pra fugir das notas.
Meus olhos, que mentiam sobre as flores,

Desentendem o que uma tal denota.
Essa tal que escancara meus temores,
À qual minha visão é tão devota.


Danilo del Monte


image: "Apartheid Soneto", de Avelino Araujo
(http://www.avelinodearaujo.com.br/)

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O SÉTIMO CÍRCULO DO INFERNO


No centro de uma sombria floresta
Árvores que gemem pela dor são companheiras.
Quem, por curiosidade passa e me arranca um galho
Não sabe a dor que me produz a amputação,
E quem, chorando em Malebolge olha para cima,
Não pode ver mai do que raízes violentas guerreando sob o solo.

No centro de uma sombria floresta estou plantado.
Cresço rapidamente para que lenhadores me ataquem,
Minhas folhas caem secas antes do outono
E a primavera é o sinal de que o açoite está por vir.
Meu rosto é disforme pela dor e pelo crescimento irregular,
Meu corpo, exausto de se arrepender, um caule perturbado
E meus braços se erguem sem esperança de achar a superfície.

Todos têm a ilusão de defenderem-se dos castigos,
Todos correm ou cruzam os braços na hora da pancada – eu não.
Eu somente olho e aguardo curioso a hora do flagelo.
No centro de uma sombria floresta, acima de Malebolge,
Tudo o que me é dado fazer é chorar, é gemer, é urrar.
E no final de tudo, quando todos forem contemplados com seus corpos,
Quando todos tiverem de volta a sua carne lavada pelo sangue,
Eu, no sétimo círculo do Inferno, continuarei árvore,
Continuarei crescendo, quebrando, sendo cortado. Não reclamo,
Afinal, não seria justo receber na morte o que em vida recusei.

Danilo del Monte

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

SENTIDO QUE NÃO SE BUSCA




Não se atreva a perguntar por quê.
Aguente, que um dia passa rápido
E é tão suave quando o anoitecer,
E embora após um dia outro sempre vem,
Esse novo passa rápido também.

Acorde, lave o rosto e corra,
Mas não se atreva a perguntar pra quê.
O sentido de tudo se esconde
Precisamente para não te machucar,
Justamente para não te ofender,
Portanto corra, mas não queira perguntar.

Não se atreva a perguntar o quê.
Dizem que além há um sentido,
Dizem que além há algo a se fazer,
Mas não vás tu querer enlouquecer,
Portanto apenas faça, mas jamais pergunte,
- Sequer imagine – o quê.

Danilo del Monte

terça-feira, 4 de setembro de 2012

ELE NÃO REAGE MAIS




– Veja, parece que cansou de existir.
Cansei! Cansei? Não sei,
Mas é certo que já não reajo mais.
Hoje tudo o que me vem, deixo que se vá,
E tudo o que se vai já não me deixa mais recordação.
Eu acho que me cansei de existir,
Ou a própria existência se cansou de mim.

– O que fazemos nós aqui, ele não reage mais?
Lembro do tempo em que novas feridas se abriam em mim,
Meu corpo era o mapa de uma catástrofe física,
Minha cabeça era o moto-contínuo desse mal.
Hoje vivo uma calmaria sem fartura,
Não há mais brigas na mesa de jantar, não há mais,
Assim como também não há comida;
E se não me rebelo contra a fome que me enterra
É porque já não reajo mais.

Meu inferno é o fumo que risca o ar,
Meu abismo, a espuma que traça a onda.
Beleza simples que existe, mas que se exauriu.
Ouço batidas em minha porta,
Talvez velhos conhecidos querendo entrar;
Ouço cochicharem o Amor, a Amizade, o Ódio e o Rancor,
E ouvindo cada um já não os reconheço mais.
Nem mesmo a Saudade, companheira de toda a minha vida
– de todos, a mais íntima que há –
Já não me é capaz de levantar desse sofá.
As sombras desaparecem sob a porta,
Deixo que se vão e ainda as ouça comentar:
– Vamos embora, ele não reage mais.

Danilo del Monte