segunda-feira, 3 de outubro de 2011

À QUEM QUER QUE SEJA



Seja você quem quer que seja,
Hoje estamos próximos um do outro. Próximos
Como talvez nunca esteve um pai de seu filho.
Estamos próximos sejas tu quem quer que seja.
Seja bandido, padre, um fratricida, estuprador, seja...
Sejas tu irmão dos ratos que adentram os esgotos,
Sejas tu o que bebe o sangue podre das carnificinas,
Hoje estamos próximos.

Quis o acaso que nos tornássemos praticamente um.
Tu, lendo o que eu não pude ler,
E eu, sentindo em teu lugar o efeito das palavras que não li,
Das palavras que para ti são vazias, são monótonas,
Um simples sujar de primeira página que corrompe a obra.

Tu, que indevidamente ganhara
Um presente destinado a mim,
Que olhe para o livro como quem olha para um deus,
Sem por isso crer deveras em sua existência,
E depois corra a mirar o espelho
E note que no fundo dos teus olhos, talvez verá os meus.

Talvez não saibas, caro amigo,
Que o machado com que assassinas uma velha senhora me pertence,
E que dela, o sangue que jorrou procurava o meu rosto.
Talvez não saibas que a brutal arma que deveria repousar em minha cama,
Sonhar junto de mim, chora triste em sua estante,
E a cada dia perde um pouco da vontade de voltar pra casa.

Não se aflija. Quem, afinal, poderia saber
Que tamanho tesouro cairia em tuas mãos?
Não se aflija, há quem no mundo carregue culpa maior que ti,
Sem por isso deixar de usar outro machado.
Não se aflija, seja você quem quer que seja.
Estenda-me a mão e a outra à que segurou a pena
Como ninguém mais capaz faria igual.
E de braços dados vamos tentar caminhar,
Que quem foi privado das palavras e do sangue
Se completa da companhia de quem indevidamente os recebeu,
E na de quem frases e machado esparramou ao vento.


Danilo del Monte

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